TRT de Goiás anula pedido de demissão de venezuelano com deficiência auditiva

O Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (TRT-GO) converteu o pedido de demissão de um trabalhador venezuelano com deficiência auditiva em dispensa sem justa causa, após identificar que houve vício de consentimento no ato. A 2ª Turma de julgamento entendeu que, por ser estrangeiro e ter dificuldades de compreensão do português, o trabalhador foi levado a assinar uma carta de demissão sem entender o conteúdo do documento.

Empregado como repositor em um supermercado de Goiânia, o trabalhador relatou que acreditava estar assinando um documento referente a uma promoção salarial, sem perceber que se tratava de um pedido de demissão. Ele afirmou que não recebeu explicações claras sobre as implicações jurídicas do documento e que, apesar de ter solicitado, não lhe foi disponibilizado um tradutor de Libras. Ele também explicou que a comunicação com seus superiores ocorria via aplicativo de mensagens, que não permitia leitura de documentos, levando-o a confiar nas orientações do supervisor e a assinar documentos sem pleno entendimento.

A decisão inicial, proferida pela 1ª Vara do Trabalho de Goiânia, havia acolhido o pedido do trabalhador, fixando a data da publicação da sentença como a data de sua rescisão sem justa causa. Inconformada, a rede de supermercados recorreu, argumentando que o empregado compreendia a carta de demissão e já havia manifestado desejo de retornar à Venezuela. A empresa também solicitou a redução ou exclusão do valor da indenização por danos morais, estabelecida na primeira instância.

Demissão não foi voluntária

O relator do caso, desembargador Daniel Viana Júnior, concluiu que a demissão não foi voluntária e que a empresa falhou ao não assegurar que o trabalhador compreendesse as consequências do ato, considerando suas dificuldades com o idioma. O magistrado apontou que, por ser analfabeto, os atos do trabalhador deveriam ter sido confirmados por testemunhas, conforme o artigo 595 do Código Civil. O desembargador seguiu a decisão de primeira instância, concluindo que, embora o trabalhador tivesse expressado intenção de voltar à Venezuela, ele não formalizou o pedido de demissão de forma espontânea e sem o apoio de um tradutor de Libras ou testemunhas.

Quanto à data da demissão, os desembargadores acolheram a divergência apresentada pelo desembargador Paulo Pimenta, decidindo que a dispensa sem justa causa deveria contar a partir do momento em que o trabalhador foi informado sobre a rescisão do contrato. Dessa forma, foi considerada a data do Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho (TRCT) como o início da dispensa, e não a data da sentença. A empresa foi condenada a pagar ao trabalhador as verbas rescisórias, incluindo aviso prévio indenizado, férias proporcionais, 13º salário, FGTS e indenização de 40% sobre o saldo do fundo.

Além disso, o colegiado manteve a indenização por danos morais, mas reduziu o valor de R$ 20 mil para R$ 5 mil, considerando a ofensa de média gravidade, em conformidade com o art. 223-G da CLT. “É evidente que os fatos narrados configuram dano moral à personalidade do autor, o qual deve ser reparado por meio de indenização. A reclamada, ao extrapolar seus poderes e explorar as limitações do reclamante, simulou um pedido de demissão, circunstância que fere a dignidade”, concluiu o relator. A decisão foi unânime.

Processo: 0010815-27.2023.5.18.0001