TJGO acata a defesa e afasta dolo eventual em caso envolvendo duas mortes em acidente de trânsito em 2010, na BR-060

Na tarde desta quinta-feira (25), a 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Goiás manteve, por unanimidade, decisão proferida pela juíza da 2ª Vara Criminal de Guapó, Luciane Cristina Duarte da Silva, que afastou o dolo eventual em caso envolvendo acidente de trânsito em que houve a morte de duas pessoas e ferimento em outras duas, ocorrido em dezembro de 2010, na BR-060, no município de Abadia de Goiás. Com isso, devido o lapso temporal, foi declarada a prescrição do processo criminal.

De acordo com a denúncia oferecida pelo Ministério Público, o acusado conduzia o seu veículo pela BR-060 em velocidade superior ao permitido na via e, ao ultrapassar outro carro em local proibido (faixa contínua), colidiu com o veículo no qual se encontravam quatro pessoas, um casal e dois filhos. As crianças morreram.

O Ministério Público entendeu que o acusado agiu com “dolo eventual”, que teria ficado caracterizado, considerando que, prevendo as consequências nocivas de sua ação, consistentes em conduzir o veículo automotor em alta velocidade (a mais de 120 km/h), realizar ultrapassagem em local proibido e trafegar na contramão da direção sem a visibilidade adequada no local, assumiu o risco de produzir o resultado, agindo com total indiferença à sua ocorrência.

Foram proferidas duas decisões anteriores por outra julgadora pronunciando o acusado para que este fosse julgado por um júri popular. Porém, ambas as decisões foram anuladas pelo Tribunal de Justiça, por não haver enfrentado as teses defensivas. Na terceira decisão, Luciane Silva acolheu a tese da defesa para desclassificar a conduta para homicídio culposo e lesão corporal culposa na direção de veículo automotor e também julgar extinta a punibilidade pela prescrição.

O Ministério Público recorreu e, no julgamento desta tarde, o desembargador relator Luiz Cláudio Veiga Braga decidiu manter a sentença recorrida, tendo sido acompanhado pelos desembargadores Edison Miguel da Silva Jr. e Nicomedes Domingos Borges.

Em sua sustentação oral, o advogado do acusado, Roberto Serra da Silva Maia, que atuou desde o início do caso, destacou que “essa é a terceira vez que a Corte se manifesta sobre a decisão que encerrou a fase do juízo de formação de culpa.

Em 2017, sobreveio a primeira decisão pronunciando o acusado. No entanto, como a magistrada não analisou a tese defensiva, sua decisão foi anulada pelo TJGO. Em 2020, foi proferida outra pronúncia, sendo essa decisão, novamente, anulada pela 2ª Câmara Criminal, porque, de novo, não foi analisada tese defensiva.

Segundo Roberto Serra, o processo penal se arrastou sem que a defesa tivesse contribuído com a demora. “Portanto, o caso voltou a ser julgado pela terceira vez, não pela sua complexidade meritória, mas porque até esse momento a defesa foi tratada pelo Juízo monocrático como se não existisse no processo, já que por duas vezes, a decisão de pronúncia foi anulada face à não apreciação das teses esposadas pela defesa.”

Sobre o mérito, Roberto Serra pontuou na sustentação oral que “para configuração do dolo eventual, necessário que o agente, prevendo as consequências nocivas de sua ação, assumisse o risco de produzi-las, agindo com total desídia e indiferença à sua ocorrência, consentindo com o resultado”.

Serra também realçou que o Ministério Público em seu recurso “tentou se utilizar dessa fórmula empregada pela lei – assumir o risco – de forma presumida, isto é, como um mecanismo pedagógico ou remédio contra a violência do trânsito, confundindo o dolo eventual com a culpa consciente, de forma a utilizar a expressão ‘assumir o risco’, em seu sentido comum, leigo, isto é, considerando como dolosa qualquer conduta que a rigor é culposa, vez que a culpa nada mais é do que uma conduta arriscada”.

Disse, ainda, que “os autos demonstraram claramente que o acusado praticou manobras defensivas instantes antes da colisão, sendo o fato objeto desta ação penal algo isolado na sua vida; além de sofrer e estar sofrendo as graves consequências (físicas e psíquicas) do acidente, e de jamais haver atuado com total indiferença, assumindo o risco de produzir o resultado morte na concepção do dolo eventual”.

Processo 0345710-48.2011.8.09.0069