O colega Tadeu de Abreu Pereira, especialista em Direito do Trabalho, fala hoje sobre as alterações nas regras do teletrabalho, introduzidas pela Lei 14.442/2022.

Leia a íntegra do texto:
O regime de Teletrabalho foi instituído no arcabouço jurídico trabalhista pela Lei 13.467/2017 (reforma trabalhista), sendo que a matéria passou a ser disciplinada pelo art. 75-A e seguintes da CLT.
A pandemia da COVID 19, que assolou o mundo a contar de março de 2020, deu novos contornos ao regime de teletrabalho ou trabalho remoto, permitindo a sua adoção de forma mais ampla pelos empregadores, especialmente no período de vigência da MP 927/2020.
A MP 1108/2022 ampliou o previsto na MP 927/2020, para incorporar a realidade praticada pelas corporações durante o período pandêmico.
Para fixar os marcos temporais, registra-se que a MP 1108/2022 foi editada em 25.03.2022, com envio a Câmara dos Deputados, onde recebeu uma série de emendas até ser convertida na Lei 14.442, de 02.09.2022, alterando o texto da CLT.
Para uma melhor análise, segue abaixo um quadro comparativo entre o texto original da CLT (Lei 13.467/2017) e o texto com as alterações introduzidas pela Lei nº 14.442/2022.
LEGISLAÇÃO ALTERADA | REDAÇÃO ATUAL |
Art. 62 – Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo: | “Art. 62. …… |
III – os empregados em regime de teletrabalho.
| III – os empregados em regime de teletrabalho que prestam serviço por produção ou tarefa. |
Art. 75-B. Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.
| “Art. 75-B. Considera-se teletrabalho ou trabalho remoto a prestação de serviços fora das dependências do empregador, de maneira preponderante ou não, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, que, por sua natureza, não se configure como trabalho externo.
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Parágrafo único. O comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho.
| § 1º O comparecimento, ainda que de modo habitual, às dependências do empregador para a realização de atividades específicas, que exijam a presença do empregado no estabelecimento, não descaracteriza o regime de teletrabalho ou trabalho remoto.
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§ 2º O empregado submetido ao regime de teletrabalho ou trabalho remoto poderá prestar serviços por jornada ou por produção ou tarefa.
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§ 3º Na hipótese da prestação de serviços em regime de teletrabalho ou trabalho remoto por produção ou tarefa, não se aplicará o disposto no Capítulo II do Título II desta Consolidação.
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§ 4º O regime de teletrabalho ou trabalho remoto não se confunde e nem se equipara à ocupação de operador de telemarketing ou de teleatendimento.
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§ 5º O tempo de uso de equipamentos tecnológicos e de infraestrutura necessária, e de softwares, de ferramentas digitais ou de aplicações de internet utilizados para o teletrabalho, fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou em acordo ou convenção coletiva de trabalho.
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§ 6º Fica permitida a adoção do regime de teletrabalho ou trabalho remoto para estagiários e aprendizes.
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§ 7º Aos empregados em regime de teletrabalho aplicam-se as disposições previstas na legislação local e nas convenções e acordos coletivos de trabalho relativas à base territorial do estabelecimento de lotação do empregado.
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§ 8º Ao contrato de trabalho do empregado admitido no Brasil que optar pela realização de teletrabalho fora do território nacional, aplica-se a legislação brasileira, excetuadas as disposições constantes na Lei nº 7.064, de 6 de dezembro 1982, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes. § 9º Acordo individual poderá dispor sobre os horários e os meios de comunicação entre empregado e empregador, desde que assegurados os repousos legais.” (NR)
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Art. 75-C. A prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deverá constar expressamente do contrato individual de trabalho, que especificará as atividades que serão realizadas pelo empregado.
| “Art. 75-C. A prestação de serviços na modalidade de teletrabalho ou trabalho remoto deverá constar expressamente do contrato individual de trabalho. ………………. |
É sabido que o Teletrabalho, em sua conceituação original, diz respeito ao exercício de jornada de trabalho não controlada, com a utilização de meios telemáticos, exercido habitualmente e preponderantemente fora da sede da empresa.
O Ministro do Trabalho e renomado doutrinador, Dr. Maurício Godinho Delgado, ao discorrer sobre as alterações trazidas pela Lei 13.467/2017, em sua obra Curso de Direito do Trabalho (LTr, 18ª edição, pág. 1070), consignou o seguinte:
“A Lei da Reforma Trabalhista (n. 13.467/2017), conforme exposto, fez menção expressa ao teletrabalho. Desse modo, inseriu novo inciso III no art. 62 da Consolidação e acrescentou novo Capítulo II-A, ao título II da CLT (composto pelos arts. 75-A até 75-E, além do art. 134, relativo às férias anuais remuneradas): todos esses dispositivos são direcionados ao regime de teletrabalho.
Em suas novas regras sobre o Teletrabalho, a CLT ainda não enfrentou temas candentes como as limitações às tendências de exacerbação da disponibilidade obreira às demandas do trabalho no ambiente virtual e o denominado ‘direito à desconexão’ – temas que são importantes na dinâmica desse novo regime laborativo. A par disso, não determinou a fixação imperativa de qualquer custo ao empregador – que absorve, evidentemente os riscos do empreendimento (art. 2º, caput, CLT) -, referindo-se apenas à previsão ‘em contrato escrito’ (art. 75-D, CLT). Abre-se, portanto, significativo espaço à interpretação e à integração jurídicas nesse novo segmento jurídico laborativo.”
As alterações introduzidas pela Lei 14.442/2022, ainda que não tenham tratado expressamente do direito à desconexão, nem dos custos pela realização do trabalho remoto, trouxe alguns itens para dar segurança jurídica e diminuir o espaço para interpretações e integrações jurídicas por meio da atuação do judiciário trabalhista.
Dentre eles, podemos citar:
a)- prestação de serviço por produção ou tarefa; ou seja, trabalho sob demanda, com possibilidade de pagamento de salário variável.
b)- não descaracterização do regime de teletrabalho pelo comparecimento habitual na sede empresa para realização de atividades específicas.
c)- não enquadramento como operador de telemarketing ou de teleatendimento.
d)- não configuração de tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, ressalvado se houver acordo individual ou norma coletiva de trabalho.
e)- estagiários e aprendizes também poderão ser submetidos ao regime.
f)- previsão em contrato de trabalho (aditivo), sem a necessidade de especificar as atividades.
Como visto, a referida lei promoveu alterações na CLT, visando regulamentar o trabalho remoto, inclusive de forma híbrida nos casos de atividades específicas, sem onerar o empregador.
Além disto, fixou que o comparecimento na sede da empresa não descaracteriza o regime de trabalho remoto. Por isto, nos dias em que o trabalhador eventualmente comparece na empresa, com possibilidade de controle de jornada, não será passível de configurar excesso de jornada, nem levará a nulidade do referido regime.
Quanto aos custos decorrentes da realização do trabalho remoto, estes poderão ser pactuados livremente pelas partes, por meio de aditivo contratual escrito. Vejamos:
Art. 75-D. As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito.
Além disto, nada impede que o empregador conceda ajuda de custo ou outros benefícios com natureza indenizatória para fazer frente a tais despesas.
Eis o entendimento jurisprudencial:
DESPESAS COM TELETRABALHO. Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências da empresa ré, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação. Em regra, nos termos do art. 2º da CLT, os riscos da atividade econômica devem ser suportados pelo empregador, uma vez que é de responsabilidade exclusiva da empresa os prejuízos do empreendimento, consoante preceitua o princípio da alteridade. Todavia, há permissivo no art. 75-D da CLT para que as partes pactuem livremente, em contrato individual escrito, a responsabilidade pelas despesas com aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto. (TRT-2 10005555620215020204 SP, Relator: MARIA DE FATIMA DA SILVA, 17ª Turma – Cadeira 5, Data de Publicação: 10/12/2021)
Como visto, todas estas situações deverão estar previstas no contrato de trabalho, por meio de aditivo a ser firmado entre as partes ou por meio de acordo coletivo.
É importante registrar, que o Supremo Tribunal Federal, ao decidir o Tema 1046 de Repercussão Geral, declarou constitucional a validade do negociado sobre o legislado, desde que observados os preceitos constitucionais mínimos. E o art. 611-A da CLT, assim já o faz.
Noutra vertente, a empresa poderá adotar o trabalho por jornada, utilizando de meios tecnológicos para realizar o controle de jornada ou adotar o registro de ponto por exceção, na forma prevista no art. 74, §4º da CLT, assim redigido:
- 4º – Fica permitida a utilização de registro de ponto por exceção à jornada regular de trabalho, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.
Em não havendo fiscalização ou controle da jornada ou o exercício da atividade for incompatível com a fixação de horário de trabalho, aplicar-se-á o entendimento jurisprudencial abaixo transcrito.
TELETRABALHO. ATIVIDADE INCOMPATÍVEL COM FIXAÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO. Incontroverso que a reclamante exercia atividade em teletrabalho, possuindo autonomia e liberdade para gerir seus horários de trabalho, não sendo possível que a reclamada fixe horários ou os controle, configurado óbice ao deferimento de horas extras nos moldes postulados pela autora em sede recursal. Inteligência do art. 75-B e Parágrafo único, da CLT, acrescidos pela Lei 13.467/2017. (TRT-4 – ROT: 00207472720185040026, Data de Julgamento: 24/08/2020, 10ª Turma)
Ante os fundamentos acima apresentados, podemos concluir que o regime de teletrabalho ou trabalho remoto, com as alterações introduzidas pela Lei 14.442/2022, é extremamente vantajoso para as partes (empregado e empregador), posto que flexibiliza as relações de trabalho e otimiza determinadas operações, com possibilidade de aumento de ganho e/ou redução de custos.
A implementação do teletrabalho ou trabalho remoto deverá ser precedida de contrato escrito (aditivo contratual), no qual conste expressamente a inexistência de controle de jornada e regras objetivas que disciplinam as atividades a serem exercidas.
Nada obsta que sejam firmados acordos individuais ou coletivos, ou convenções coletivas, para normatizar o exercício do teletrabalho ou trabalho remoto, ou o trabalho de forma híbrida.
As normas coletivas, inclusive, prevalecerão sobre o legislado, conforme entendimento pacificado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema de Repercussão Geral nº 1046.