Na coluna desta quarta-feira (16), o advogado Lucas Fratari, especialista em Direito e Processo do Trabalho, mestre em Direito e sócio do escritório LGF Advogados Associados, trata sobre a subordinação por algorítimo e cobra urgência na regulamentação do tema.

Leia a íntegra do texto:
As relações de trabalho vêm passando por profundas transformações nas últimas décadas, impulsionadas pelo avanço tecnológico e a popularização das plataformas digitais. Nesse contexto, a subordinação por algoritmo tem sido um tema central, suscitando debates acalorados sobre a natureza das relações estabelecidas entre trabalhadores e plataformas digitais de entrega de produtos e transporte de passageiros.
A discussão sobre a existência ou não de uma relação de emprego nessas circunstâncias é complexa e tem gerado divergências, mas é urgente a regulamentação da atividade para conferir ambiente de segurança jurídica para trabalhadores e plataformas, além de garantir um mínimo de direitos a estes profissionais, tanto do ponto de vista do trabalho seguro, quanto da proteção previdenciária.
A subordinação, um dos elementos essenciais para a configuração do vínculo empregatício, é tradicionalmente entendida como a sujeição do trabalhador às ordens e diretrizes do empregador, estabelecendo-se uma relação de hierarquia e dependência. Nas plataformas, a subordinação por algoritmo introduz uma dinâmica inédita, na qual a supervisão e o controle das atividades laborais são exercidos por meio de recursos tecnológicos, em vez de gestores.
Por isso, surgem questionamentos sobre a aplicabilidade dos conceitos tradicionais de vínculo empregatício às novas formas de organização do trabalho. Afinal, a subordinação por algoritmo é equiparável à subordinação clássica? Ou seria necessário repensar os critérios à luz da realidade tecnológica?
A jurisprudência brasileira tem enfrentado esse desafio, e os tribunais proferido decisões divergentes, refletindo a complexidade e a ausência de consenso sobre o tema. Alguns magistrados reconhecem a existência de vínculo empregatício com base no papel do algoritmo, ressaltando que o controle pode configurar uma forma de subordinação técnica, ainda que não haja a figura de um superior hierárquico direto. Outros, por sua vez, têm adotado uma abordagem mais flexível, considerando que a autonomia e a flexibilidade inerentes ao trabalho em plataformas afastam essa caracterização.
É fundamental reconhecer a importância da regulamentação para estabelecer parâmetros claros e previsíveis. A ausência de uma legislação específica sobre o trabalho gera insegurança jurídica, abre espaço para litígios intermináveis e deixa os trabalhadores desprotegidos, sem acesso a direitos trabalhistas básicos, como jornada de trabalho, descanso semanal remunerado, férias, 13º salário e recolhimento do INSS.
Isso não se restringe à proteção dos direitos trabalhistas. Abrange também a segurança e a saúde. Sem controle das atividades, os algoritmos podem impor jornadas exaustivas, pressionar os trabalhadores a cumprir prazos irreais, e desconsiderar necessidades e limitações. Há impactos concretos na vida e na dignidade dentro desse processo, exigindo a intervenção do poder público para garantir boas práticas.
Adiar ou negligenciar não é mais uma saída. É preciso superar as controvérsias conceituais, reconhecer a complexidade das relações de trabalho na era digital e estabelecer um marco legal que concilie a proteção dos trabalhadores com a inovação e a dinamicidade. A subordinação por algoritmo desafia as concepções convencionais de “emprego”, mas não pode servir de pretexto para a precarização do trabalho ou a negação de direitos fundamentais.