Cyberbullying e as relações de trabalho

Os advogados Andressa Munaro Alves e Felipe Giacomolli assinam a coluna desta segunda-feira (3). Eles escrevem sobre o cyberbullying e as relações de trabalho.

Andressa Munaro Alves e Felipe Giacomolli

Leia a íntegra do texto:

As relações de trabalho acompanham a disruptiva aceleração do mundo e das coisas desde que se afastou a equivocada ideia de que labor era sinônimo de castigo. As Revoluções Industriais se apresentaram, cada uma a sua maneira, coroando a certeza de que a cada revolucionar, caberia aos que coordenam os negócios estabelecer medidas de segurança na realização da lida, sob pena de incorrerem em violações graves e inaceitáveis, – pelo menos quando se considera o ideário de um ambiente de trabalho saudável. Pois bem.

Nessas tantas revoluções, acomodou-se a certeza da possiblidade de realização do trabalho em todo e qualquer lugar, concretude essa que ratifica de maneira positiva a execução do labor sob amparo dos meios tecnológicos, notoriamente porque até mesmo as plataformas encontram-se hoje integralizadas. O fato é que a execução do trabalho via canais telemáticos levanta novos desafios aos que dirigem certa atividade. Basta considerar que quando se recorda qual das partes assume o risco do negócio, a responsabilidade ainda continua por conta do empregador, inteligência do artigo 2º da CLT[1].

Se, por um lado, os meios tecnológicos facilitam novas dimensões laborais, por outro, desencadeiam novos conflitos que trazem o direito penal à pauta. Diante do escalonamento, em nosso país, das notícias sobre a prática do bullyng e do cyberbullyng (o Brasil é o segundo país com o maior número de casos de cyberbullyng)[2], o legislador ordinário, recentemente, tipificou a conduta de intimidação sistemática (bullyng), inclusive com uma previsão específica – e consideravelmente mais grave – quando cometida por qualquer meio ou ambiente digital. Através da Lei nº 14.811/2024[3], foram incluídos ao Código Penal brasileiro o artigo 146-A e seu parágrafo único, que contêm a seguinte redação:

Intimidação sistemática (bullying)

Art. 146-A. Intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais:

Pena – multa, se a conduta não constituir crime mais grave.   (Incluído pela Lei nº 14.811, de 2024)

Intimidação sistemática virtual (cyberbullying)

Parágrafo único. Se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social, de aplicativos, de jogos on-line ou por qualquer outro meio ou ambiente digital, ou transmitida em tempo real:

Pena – reclusão, de 2 (dois) anos a 4 (quatro) anos, e multa, se a conduta não constituircrime mais grave.   (Incluído pela Lei nº 14.811, de 2024)

Apesar de flagrantes falhas técnicas do legislador, como a cominação da pena exclusiva de multa ao tipo penal do caput consoante aponta BITENCOURT[4], é louvável a inserção de um tipo penal específico que trate de um fenômeno cujas consequências são gravíssimas. Além de produzir danos à saúde mental e psicológica das vítimas, o extremo sofrimento emocional pode, inclusive, levar a vítima ao suicídio. Por isso, a criminalização da conduta de intimidação sistemática, intencional e reiterada, mediante violência física ou psicológica contra alguém, sem motivação evidente ou determinada, visa proteger jurídico-penalmente a dignidade da pessoa humana, bem como sua saúde psicológica, mental e funcional, em todos os ambientes, inclusive o laboral.

Como se observa, a intervenção penal mais grave ficou reservada apenas à hipótese do cyberbullyng, quando a conduta de intimidação sistemática for realizada por meio da rede mundial de computadores ou qualquer outro meio telemático, o que se justifica na medida em que o potencial de alcance instrumentalizado por esses meios hiperconectados é profundamente maior e mais veloz, além de servirem como um catalisador das consequências da conduta. Ciente da realidade e dos dados brasileiro, urgente se faz falar em prevenção e precaução para realização do trabalho tecnológico no futuro.

Isto, porque tomando por base a ideia de prevenção, se destacaria a necessidade de enfrentar os riscos já conhecidos. E naturalmente, neste espaço, estabelecer políticas internas de condutas adequadas (e esperadas) a serem seguidas, regulamentos internos apontando sob quais práticas se devem desenvolver condutas entre os pares, além de medidas pedagógicas aos que não respeitarem, ou de qualquer forma infringirem, boas práticas. Inconteste, portanto, que prever riscos dentro do mundo laboral digital é o diálogo entre multiprofissionais, engajamento setorial entre os jurídicos e os RH’s, almejando respeitabilidade aos ditames mínimos juslaborais.

De outra banda, quando o assunto é a precaução de riscos, conjectura-se aquilo que é desconhecido. Isto é, a certeza de que novos desafios no mundo tecnológico trabalhista virão, mas ainda carecem de descoberta. Contra estes, cabe o aculturamento daqueles que o dono do negócio coordena, no sentido de cientificá-los que determinadas práticas, mesmo indiretas, provocam danos nefastos ao nicho empresarial. Ou seja, para precaução do cyberbullying, faz-se fundamental o investimento na trabalhabilidade[5] dos obreiros, posto que as skills que envolvem noções comportamentais, além de não serem certificáveis, serão, de forma destacada, diferenciais ao futuro (saudável) dos ambientes de trabalho. Afinal de contas, sempre é tempo para rever planos e reajustar velhas posturas.

Os autores

*Andressa Munaro Alves é doutoranda e mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Professora de Direito do Trabalho e Previdenciário da Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS / UOL). Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Escola Superior Verbo Jurídico Educacional. Professora no Programa de Graduação em Direito nas Faculdades Integradas São Judas Tadeu. Advogada. andressa.castroalvesadv@gmail.com.

*Felipe Giacomolli é mestre em Ciências Criminais, com bolsa CAPES, e especialista em Direito Penal Empresarial pela PUCRS. Professor de Direito Penal e Direito Processual Penal na Faculdade de Direito São Judas Tadeu em Porto Alegre e Professor convidado em pós-graduações lato sensu. Advogado criminalista e atualmente coordenador adjunto do LAB/RS do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. E-mail: felipe@giacomolli.com.

Referências

[1] “Art. 2º – Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.” (BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Rio de Janeiro: Presidência da República, 1943. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm. Acesso em: 09 mai. 2024.).

[2] Conforme pesquisa do Instituto Ipsos noticiada em: https://exame.com/brasil/brasil-fica-em-segundo-lugar-em-ranking-global-de-ofensas-na-internet. Acesso em: 24 de maio de 2024.

[3] BRASIL. Lei n° 14.811, de 12 de janeiro de 2024. Institui medidas de proteção à criança e ao adolescente contra a violência nos estabelecimentos educacionais ou similares, prevê a Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente e altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e as Leis nºs 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei dos Crimes Hediondos), e 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/lei/l14811.htm. Acesso em: 24 maio. 2024.

[4] BITENCOURT, Cezar Roberto. Lei cria medidas para proteção a vítimas de bullyng e cyberbullyng. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 07 fev. 2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-fev-07/lei-cria-medidas-para-protecao-a-vitimas-de-bullying-e-cyberbullying/. Acesso em: 24 de maio de 2024.

[5] ALVES, Andressa Munaro. A Trabalhabilidade como direito social fundamental: O critério da ponderação como alternativa à sua realização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2023.