“O senhor é um orgulho para a OAB”, diz juíza ao se referir a advogado que tem só 10% da visão

“O senhor é um exemplo para esses alunos que estão aqui e um exemplo para todos nós.” “É um orgulho para a OAB.” Essas frases foram ditas pela juíza Wanessa Baruk, ao final de sessão do Tribunal do Júri, realizada no último mês de março, em Caldas Novas, em Goiás (veja o vídeo ao final da matéria). Na ocasião, ela teceu elogios ao advogado criminalista Lucas Rocha Andrade, que tem apenas 10% da visão.

Ao enaltecer as características do profissional, a magistrada citou sua qualificação e riqueza de vocabulário. E apontou que a falta de visão plena não trouxe ao advogado qualquer empecilho. E é justamente essa imagem, de ausência de limitação, que Lucas quer passar para as pessoas, sejam elas deficientes ou não.

“Como pessoa com deficiência, luto muito contra o capacitismo e contra o preconceito. Tento mostrar para as pessoas que todos temos habilidades e dons. E que o mundo é para todos e todos os lugares são nossos”, ressaltou o advogado, que tem 25 anos. Ele também é professor universitário e ministra aulas de Direito Penal e Processo Penal.

Sonhos realizados

Lucas foi diagnosticado aos três meses de idade com a deficiência visual chamada Amaurose Congénita de Leber (ACL). Na infância, os médicos disseram à família que ele seria totalmente cego. Contudo, o profissional, que é de Palmas, no Tocantins, foi trazido a Goiânia para fazer tratamento e descobriu que tinha 10% da visão. O percentual foi o suficiente para ele conseguir realizar seus sonhos: cursar Direito, atuar no Tribunal do Júri e ser professor.

“São os lugares que eu me sinto mais feliz e realizado. Não é minha deficiência que me limita. Em que pese não enxergar 100%, eu posso estar onde eu quiser e chegar aonde uma pessoa que não tem deficiência chega. Eu só trilho caminhos diferentes e isso não me impede de entregar o resultado”, salientou o advogado. Disse, ainda, que a advocacia para ele é um sacerdócio, um chamado.

O advogado se formou em Direito em 2021 e, atualmente, faz pós-graduação. À época do início dos estudos, ele conseguiu uma bolsa social na Capital goiana e, mesmo com a pouca acessibilidade de material didáticos, Lucas encontrava outras formas de aprender. “Sou muito do ouvir. Os pontos que os professores reputavam importantes, eu escrevia no meu caderno e ia atrás de produzir esse conhecimento em casa”, relatou.

Já as provas eram produzidas para ele com fontes maiores. Além disso, em relação às matérias que eram mais complexas, ele tirava cópias das anotações dos colegas. E é justamente esse coleguismo e as amizades que fez ao longo de sua trajetória que o incentivaram a nunca desistir.

Rede de apoio

O advogado diz que, ao longo de sua caminhada acadêmica, fez grandes amigos, o incentivaram e o acolheram no dia a dia. “De fato, me incluíram e isso fez e faz toda a diferença. A base que tenho hoje me dá força de ir para o mundo, lutar contra o preconceito e contra o capacitismo e continuar acreditando na minha profissão e naquilo que eu fui chamado para fazer”, observou.

Lucas teve ainda, nesse caminhar, a ajuda de um senhor, a qual ele se refere como “Seu João”. O advogado diz que recebeu desse senhor suporte em diferentes aspectos, emocional e, inclusive, financeiro. “Se sou advogado e professor é porque o Seu João teve disposição de acreditar em mim, de me acolher e me escolher um filho, mesmo depois de grande.”

Todo o incentivo que recebeu valeu a pena. Hoje, Lucas diz que não se vê fazendo outra coisa que não seja advogando ou lecionando. E quer que esse incentivo se estenda para outras pessoas. “Nas minhas aulas, eu sempre busco mostrar todos podem sonhar. E que, em que pese ter algumas limitações, sejam quais forem, elas não precisem ditar as regras para nossas vidas”, ressaltou.