Juiz deixa de apreciar pedido por não ser tratado por vossa excelência; especialista explica que o termo é o correto para evitar pessoalidade

Publicidade

Marília Costa e Silva

O juiz José Roberto Bernardi Liberal, de Araraquara (SP), se recusou a apreciar pedido de um colega porque este usou o pronome de tratamento “senhoria” e não “excelência”, que, segundo ele, seria o adequado no caso. Uma foto do despacho, assinado no dia 20 de agosto passado, tem circulado nas redes sociais. O Rota Jurídica, ao ter conhecimento do documento, procurou o professor e advogado Carlos André Pereira Nunes, especialista em Redação Jurídica e em Português Forense para explicar qual deve ser mesmo o pronome de tratamento a ser utilizado ao se dirigir a um magistrado.

Carlos André Pereira Nunes

Para Carlos André, o juiz realmente errou na escolha do pronome ao se dirigir ao colega, pois o tratamento que deve ser dado aos magistrados, independentemente do emissor da mensagem (seja um colega, advogado ou membro do Ministério Público), deve ser mesmo vossa excelência. O especialista explica que a origem do pronome de tratamento é estabelecer a lógica de que não se faz um tratamento à pessoa mas ao cargo. “Apesar do formalismo, o pronome de tratamento existe para evitarmos pessoalidades”, frisa.

Por isso, Carlos André alerta que é preciso conhecer e entender os pronomes de tratamento. “Eles são extremamente importantes. É inadmissível que nós discordemos disso ou achemos que isso é burocrático. Ele não é exagerado mas, sim, utilizado para se referir não a alguém mas ao cargo que ele ocupa”, reitera.

Apesar disso, Carlos André considera a postura adotada pelo magistrado deselegante. Isso porque, na opinião dele, o juiz não pode se negar a receber uma petição por um erro desse. “Nada existe do ponto de vista processual que permita ao juiz se negar a receber um documento por falha nesse sentido.”

Manual da Presidência da República

Este ano foi publicado o Decreto 9.758, que trata sobre formas de tratamento e de endereçamento nas comunicações oficiais do Governo e com o Governo. Ele que possui embasamento jurídico constitucional, regulamenta como deve ser a forma com que aqueles que trabalham no Governo Federal e em empresas públicas devem tratar-se, bem como a maneira com que o cidadão deve referir-se aos representantes públicos (incluindo comunicação ao presidente da República).

O Decreto veda a utilização de pronomes como vossa excelência, excelentíssimo, vossa senhoria (de secular tradição nas comunicações oficiais) e até mesmo a utilização do axiônimo doutor (que nem é pronome de tratamento). No entanto, Carlos André alerta que esse manual da presidência atinge apenas aqueles que estão sob a égide da União.

“Nasce aqui uma aberração: o presidente da República terá que se dirigir ao governador do Tocantins, por exemplo, em cerimônias oficiais, como vossa excelência, já que o Manual do Governo do Tocantins, que não é subordinado ao decreto, exige a utilização dos termos vossa excelência e excelentíssimo para qualquer um que se refira ao governador. Ou seja, faltou política de Estado e sobrou política de Governo!”

Confira o despacho do juiz