Quem oferece ou organiza rifas ou sorteios nas redes sociais comete crime?

As rifas online se tornaram uma maneira popular para influenciadores digitais angariarem recursos, oferecendo prêmios atraentes como carros, viagens ou produtos eletrônicos. Funcionam de maneira simples: o influenciador organiza um sorteio, onde cada número da rifa é vendido por um valor pequeno, normalmente alguns centavos ou reais. Como os influenciadores têm acesso a milhões de seguidores, mesmo um valor pequeno por número pode gerar uma soma considerável.

Um exemplo comum envolve o sorteio de um carro. O influenciador pode dividir o custo total do carro pelo número de rifas disponíveis, adicionando uma margem para lucro. Suponha que um carro custe R$ 50.000. O influenciador pode oferecer 100.000 números a R$ 1,00 cada, arrecadando R$ 100.000, cobrindo o custo do carro e lucrando o mesmo montante.

Há, contudo, preocupações legais e éticas sobre essas práticas. No Brasil, para que uma rifa seja legal, deve ser autorizada pela Caixa Econômica Federal ou estar vinculada a uma entidade filantrópica autorizada. Rifas não autorizadas, especialmente as que envolvem grandes somas de dinheiro, podem ser enquadradas como jogos de azar, que são proibidos.

Influenciadores precisam ter cuidado para não infringir a lei, e seguidores devem estar atentos para não participarem de atividades ilegais. Em alguns casos, influenciadores têm usado a estratégia de transformar as rifas em “concursos culturais”, que exigem uma habilidade ou conhecimento específico, como uma alternativa legal para evitar problemas com a legislação sobre jogos de azar.

Como funciona a regulação de rifas e sorteios no Brasil?

Para realizar rifas no Brasil, é crucial seguir as diretrizes estabelecidas pela Lei Federal nº 5.768/71 e pela Portaria nº 41/2008 do Ministério da Economia. Essas normas são aplicáveis tanto para rifas físicas quanto online e exigem a obtenção de autorização prévia do Ministério da Fazenda, através do Sistema de Controle de Promoção Comercial (SCPC). A autorização é necessária para qualquer rifa que envolva a venda de bilhetes ou pontos.

O processo de obtenção de autorização inclui o planejamento detalhado do sorteio, apresentação da documentação necessária, pagamento de uma taxa de fiscalização (cujo valor depende do montante dos prêmios oferecidos), e a divulgação adequada das regras e do evento. A promoção só pode ser divulgada após a obtenção do Certificado de Autorização, e é importante que o número deste certificado esteja visível em todo material promocional.

Outro aspecto importante é que, ao organizar uma rifa pela Loteria Federal, não é necessário solicitar autorização adicional, mas as regras estabelecidas pela Caixa Econômica Federal devem ser seguidas. Estas incluem a emissão de bilhetes numerados e a divulgação do número do bilhete premiado após o sorteio.

Rifas, sorteios e jogos de azar são a mesma coisa?

No Brasil, rifas, sorteios e jogos de azar são regulados por legislações específicas que estabelecem claras distinções entre essas atividades.

As rifas são geralmente usadas para arrecadar fundos para causas beneficentes ou comunitárias, não visando lucro. Para serem legais, as rifas precisam ser autorizadas pelos órgãos competentes, como a Caixa Econômica Federal, quando envolvem sorteio de prêmios. A falta de autorização pode enquadrar a prática como ilegal, resultando em penalidades como prisão e multa.

Similar às rifas em muitos aspectos, os sorteios também necessitam de autorização para que sejam realizados legalmente. A diferenciação principal entre rifas e sorteios autorizados é que sorteios podem ser promovidos por empresas como parte de estratégias de marketing, enquanto rifas são frequentemente associadas a objetivos filantrópicos.

Os jogos de azar caracterizam-se por terem o resultado totalmente ou majoritariamente dependente da sorte. No Brasil, a maioria dos jogos de azar é proibida, como cassinos e o jogo do bicho, exceto quando regulamentados e autorizados especificamente, como no caso de apostas esportivas legalizadas pela Lei nº 13.756/2018. Jogos não autorizados são considerados contravenções penais, sujeitos a penas de prisão e multas.

A diferenciação legal entre essas práticas é essencial para garantir a conformidade com a lei e evitar penalidades. Rifas e sorteios, quando devidamente autorizados e usados para fins não lucrativos ou promocionais, são permitidos, enquanto jogos de azar requerem regulamentações específicas e são restritos a modalidades e contextos particulares.

A Portaria nº 41/2008 do Ministério da Economia regula a distribuição gratuita de prêmios a título de propaganda no Brasil, conforme previsto na Lei nº 5.768/71 e no Decreto nº 70.951/72.

Inicialmente, a portaria define “promoção comercial” como a distribuição de prêmios por meio de sorteio, vale-brinde, concurso ou modalidades assemelhadas. Especifica tipos como sorteio, que deve seguir os resultados das extrações da Loteria Federal, e vale-brinde, onde a premiação é instantânea e deve ser colocada dentro do produto ou seu envoltório.

Promoções são permitidas sob condições estritas para garantir a igualdade entre todos os participantes e evitar a simulação de moeda nacional em qualquer material promocional.

De acordo com a portaria, toda promoção comercial que envolva distribuição gratuita de prêmios requer autorização prévia da Secretaria de Acompanhamento Fiscal, Energia e Loteria do Ministério da Economia. A portaria detalha o processo de solicitação de autorização, incluindo a necessidade de um Plano de Operação e a submissão de documentação específica.

As taxas para a autorização de promoções comerciais variam conforme o valor total dos prêmios oferecidos, estabelecendo um custo específico que aumenta com o valor dos prêmios.

Os organizadores de promoções devem solicitar a autorização ao menos 40 dias antes do início da promoção, e a autorização deve ser emitida antes de qualquer divulgação pública.

Após a conclusão da promoção, os organizadores devem prestar contas demonstrando o cumprimento do plano operacional aprovado.

A não observância das normas pode resultar em penalidades severas, incluindo a cassação da autorização e proibição de realizar futuras promoções.

Afinal, quem oferece ou organiza rifas ou sorteios nas redes sociais comete crime?

Oferecer ou organizar rifas ou sorteios por influenciadores, desde que obedecidas todas as determinações legais, não configura a prática de crime. Contudo, a persecução penal em face dessas pessoas tem sido cada vez mais recorrente, o que sugere uma forma velada de “criminalização aporofóbica”.

Aporofobia é um termo criado pela filósofa espanhola Adela Cortina para descrever a aversão aos pobres, destacando um tipo de preconceito focado na rejeição às pessoas devido à sua condição socioeconômica desfavorecida. A aporofobia manifesta-se através de atitudes discriminatórias que resultam na exclusão e marginalização dos pobres, sendo frequentemente confundida ou entrelaçada com xenofobia ou racismo, quando na verdade é a condição econômica das pessoas que está na raiz do preconceito.

Relacionando a aporofobia com a fiscalização de rifas e sorteios na internet liderados por influenciadores de origens humildes, essa análise pode sugerir uma forma de preconceito contra novas formas de ascensão social por parte desses indivíduos. A preocupação regulatória pode ser percebida, por alguns, como uma resistência institucional ou social à redistribuição de oportunidades econômicas que essas atividades representam. Essa interpretação encaixa-se no entendimento de que a aporofobia se manifesta também em resistências contra aqueles que encontram maneiras não tradicionais de melhorar sua situação econômica, evidenciando uma aversão não apenas à pobreza, mas às potenciais saídas dela.

A ascensão dos influenciadores via plataformas digitais, portanto, ao desafiar as normas tradicionais de mobilidade econômica e visibilidade social, tem enfrentado oposição que tem raízes em uma aversão subjacente aos pobres ou àqueles percebidos como externos às estruturas de poder econômico estabelecidas. Assim, a crescente criminalização sobre suas atividades pode ser interpretada como um reflexo dessa dinâmica aporofóbica, onde a regulamentação serve tanto para garantir a legalidade quanto para limitar formas emergentes de empoderamento econômico.

Vale lembrar: havendo criminalização, é imprescindível que os influenciadores que se enquadrem nas normativas legais procurem a defesa de um advogado criminalista especializado.