Bruna Zanini*
Tenho certeza que você já ouviu o jargão: “dados são o novo petróleo”. Esta afirmação traduz a realidade do ambiente virtual e tecnológico em que estamos vivendo. Com a nova onda tecnológica de inteligência artificial, metaverso, perfilamento de usuário, aprendizagem de máquina etc, é mandatório o tratamento de dados.
Para que a tecnologia evolua e se torne cada vez mais assertiva, personalizada e útil, iniciativas de ampliação de acesso a dados será cada vez mais presente no dia a dia dos usuários, a exemplo da recentemente presenciada coleta de dados contidos na íris mediante pagamento.
Diante do avanço tecnológico a passos largos, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) nasceu com a missão de regular a coleta e tratamento de dados em solo brasileiro, bem como chamar à responsabilidade aqueles que violem direitos de privacidade e sigilo de dados dos cidadãos brasileiros, em especial, aquele dados ultrassensíveis, como é o caso dos dados personalíssimos contidos na íris do olho de cada indivíduo.
Como bem se acompanhou na mídia, empresa do segmento tecnológico realizou, mediante compensação financeira, o escaneamento da íris sob a promessa de pagamento mediante criptomoedas. A iniciativa tomou proporções significativas e alcançou aproximadamente 500 mil cidadãos brasileiros.
Diante da repercussão e, principalmente, das leis que tratam da coleta, tratamento e curatela de dados sensíveis, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) determinou a proibição de qualquer tipo de contraprestação financeira às pessoas que “venderem a íris”, sob a premissa de que o consentimento deve ser livre, esclarecido e destinados a fins específicas, conforme a LGPD. Tal exigência não se compatibiliza com a oferta de contraprestação financeira para o consentimento fornecido.
De fato, ao analisar a motivação intrínseca da grande maioria das pessoas que permitiram o escaneamento de sua íris, conclui-se que o principal objetivo seria a contraprestação ofertada. Contudo, quando tratamos de dados ultrassensíveis como os dados contidos na íris do ser humano, o fator financeiro não poderia ser determinante.
O benefício financeiro por trás da oferta atrai, segundo a ANPD, vício de consentimento e, portanto, tornaria inválida a dita “venda de dados de íris”.
Pois bem, com a decisão em questão, surge o questionamento insistente: “Eu permiti o escaneamento da minha íris, e agora? Quais são meus direitos?”. Tenho certeza que este questionamento repousou na mente de inúmeras pessoas que participaram do escaneamento.
A grande maioria somente teve consciência do risco do fornecimento do dado de íris após o referido escaneamento e, principalmente, em decorrência da repercussão do tema. Fato é que os termos e condições disponibilizados pela empresa não parecem atender à integralidade das exigências da Lei Geral de Proteção de Dados, sobretudo quanto à premissa de consentimento esclarecido, destinação específica e limitada, possibilidade de retratação e exclusão dos dados disponibilizados.
Como consumidor e titular de dados ultrassensíveis, o fornecimento deste condão, para além do perigo que isto possa representar – tema este que não será abordado nesta oportunidade, todas as exigências legais precisam ser rigorosamente seguidas, sob pena de nulidade do consentimento.
Quanto à coleta em questão, o titular pode, a qualquer tempo, exigir a exclusão total dos dados ultrassensíveis fornecidos. Para exercer o seu direito de exclusão de dados, deve-se solicitar a exclusão diretamente à empresa, por meio de canais oficiais. Caso não tenha êxito, o cidadão pode acionar administrativamente a ANPD ou buscar auxílio jurídico para ingressar com uma ação judicial.
A empresa que se recusar a excluir seus dados ultrassensíveis estará violando a LGPD e poderá sofrer sanções administrativas, além de ser obrigada judicialmente a cumprir com a exclusão dos dados.
Se você permitiu o escaneamento da sua íris recentemente, especialmente motivado por alguma compensação financeira, é importante conhecer os seus direitos segundo a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e a recente decisão da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Esteja atento.
*Bruna Zanini é advogada especialista em direito empresarial, com atuação voltada ao mercado digital e publicitário, sócia do escritório Zanini Riether Advogados, vice-presidente da Comissão de Propriedade Intelectual OAB/DF, professora de Direito Contratual e LLM Empresarial e Contratos pela Ibmec.