Questões inerentes ao letramento das relações de gênero

Débora Andrade Camargo da Silva e Fernanda Santos*

“Só um espírito mediocrimente rotineiro, conseguirá negar o valor da cooperação da mulher ao bem estar coletivo (…) A humanidade ainda não pode medir toda a capacidade construtiva da mulher, porque não a logrou experimentar.” Assis Chateaubriand (1892 – 1968).

Por muitas vezes, as relações humanas ao longo dos tempos, precisam passar por ajustes sociais/educacionais/comportamentais/jurídicos visando assim trazer maiores resguardos em relação ao segmento das mulheres/crianças/povos originários/LGBTQIAP+, tendo em vista que de acordo com a Constituição Federal de 1988, onde todos os cidadãos são considerados iguais perante a lei, em direitos e obrigações, conforme a menção legislativa a seguir:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) (BRASIL, 2023, s/p).

Os estudos relacionados sobre as relações de gênero, precisam ser feitos com seriedade, e não servirem a interesses escusos, sejam estes de ordem política, religiosa ou regimental. Sob a esfera do Direito, se faz necessário reportar que não existe local adequado ou inadequado a ser ocupado por mulheres por exemplo; no que tangem a ocupação de cargos de comando, e de profissões e ocupações que até pouco tempo eram consideradas de predomínio masculino, de modo equivocado sob o jugo do patriarcado e de crenças limitantes, e que mais aprisionam e engessam do que libertam. Todo e qualquer abuso, seja de ordem legislativa, regimental ou na implementação de políticas públicas para o segmento das mulheres/crianças/povos originários/LGBTQIAP+, deverá ser coibido, contido e enfrentado de forma enérgica, eficiente e incisiva. Sem ferir e derramar sangue, mas trazer conquistas efetivas para toda a sociedade. E o doutrinador criminalista Aury Lopes Jr., de forma magistral adverte que:

Ora, tal império da ordem só pode ser fruto do autismo jurídico e de uma boa dose de má-fé. A falácia do discurso salta aos olhos, pois tal ordem, numa sociedade de risco como a nossa e com um altíssimo nível de complexidade, só pode decorrer do completo afastamento do direito da realidade e/ou da imensa má-fé por parte de quem o prega. Não sem razão foi o argumento largamente utilizado por programas políticos totalitários, como o nazismo (pureza de raça) ou mesmo o comunismo (pureza de classe) (LOPES JR., 2017, p. 43).

Nesta esteira no que tangem as relações de gênero no Brasil, se faz necessário abrir um leque de possibilidades, e de elaboração de políticas públicas que contemplem plenamente o segmento das mulheres/crianças/povos originários/LGBTQIAP+, na medida de suas demandas e de suas necessidades e competências. Buscando assim um diálogo das fontes do conhecimento humano, de modo interdisciplinar, otimizando assim as relações sociais e tirando certas pechas pejorativas, na defesa de tais segmentos ao se tratar das relações de gênero. O objetivo desta exposição, é apontar algumas balizas para tal empreitada, visando assim evitar interpretações de má fama.

DOS QUESITOS E QUESTÕES INERENTES AO LETRAMENTO DAS RELAÇÕES DE GÊNERO:

A compreensão efetiva do letramento das relações de gênero, perpassará por diversos vieses, e diversos segmentos do conhecimento humano, em relação aos seus estudos, e vai muito além de refinar e definir em somente dois polos o que se entenderá por gênero, por identidade, por pertença ou não pertença a um determinado grupo de pessoas que comungam de um pensamento e comportamento em comum. O engajamento e o diálogo com os movimentos sociais facilitará que o seu conhecimento acerca destas questões se amplie e se aprofunde. O contato com pessoas e grupos que discutem as questões de gênero com seriedade, e que lutam por direitos civis favorecem assim a desconstrução e a empatia para com esse tema tão atual e de suma importância em nossa sociedade. E segundo o psicólogo Matheo Bernardino:

O gênero pode ser interpretado muitas vezes como um conceito abstrato, teórico e ideológico que sofre distorções que implicam, sutil ou intensamente, no cotidiano das relações sociais e estruturais da sociedade. Você pode não perceber diretamente, mas as relações de gênero estão o envolvendo o tempo todo e em todos os espaços – da sua relação consigo mesmo, no seu lar ou mesmo nas políticas públicas. Quando falamos de gênero, estamos dizendo das diversas modalidades de identidade e expressão de gênero e suas situações singulares e plurais: ser mulher, ser homem, ser trans, não-binário, entre outras expressões. Cada uma dessas modalidades e potencialidades de identificação e expressão de gênero possuem especificidades na sua vivência diária que devem ser levadas em consideração (BERNARDINO, 2020, s/p).

Observa-se, no entanto, que se faz necessário um estudo pormenorizado sobre os efeitos diretos da implementação ou da falta de implementação de políticas públicas eficientes em relação ao segmento das mulheres/crianças/povos originários/LGBTQIAP+, ainda mais com as dimensões continentais de nosso país, que é cheio de regionalismos, usos, costumes, e vicissitudes. E em última análise, essa postura ativista exacerbada de alguns segmentos em definir, refinar as questões de gênero, a um ou outro segmento, visará somente atender a interesses escusos e perversos, e caberá ao profissional  do Direito e da Psicologia, em seu mister, caso se faça necessário acionar o Poder Judiciário, para coibirem possíveis abusos que têm relação com a falta de implementação de políticas públicas em relação ao segmento das mulheres/crianças/povos originários/LGBTQIAP+, e que geram diversos impactos negativos na coletividade, além de comprometer o princípio da dignidade humana previsto pela CF/88 (BRASIL, 2023, s/p).

Neste prisma, as relações de gênero de modo refinado e pré definido não deveriam atuar de modo isolado, como elementos culturais inerentes às bases de qualquer civilização. O ser homem ou ser mulher não se configurará mediante a formação da crença de que somente existam dois padrões de comportamento e biológicos determinantes para que isto seja prontamente identificado, o que não é o caso em questão, sem observar por exemplo, a identidade, pertença ou não pertença a um determinado grupo de pessoas que comungam de um pensamento em comum. E estes paradigmas impõem, sob um viés cultural, a instituição da sexualidade e do gênero de forma intransigente e imutável em alguns aspectos sociais. Isso se dá, sobretudo, “por práticas históricas e sociais determinadas” (CHAUÍ, 1986, p. 122). E a Psicologia deverá seguindo balizas constitucionais, infra legais, e de seu Estatuto de Ética que rege a atuação do (a) profissional da Psicologia, evitar abusos de toda ordem que visem a aplicação seja de terapias de “Cura Gay”, ou de condicionamento de comportamentos padronizados, robotizados desrespeitando assim as necessidades das mulheres/crianças/povos originários/LGBTQIAP+, e que poderão eclodir em uma desobediência civil. E de acordo com Luiz Rodrigues Wambier e Thereza Arruda Alvim Wambier:

Todavia, de nada adiantaria o reconhecimento, no plano constitucional, de um número expressivo de direitos fundamentais, se a seu lado não se garantisse, também um conjunto de instrumentos eficazes para a sua própria e efetiva realização (WAMBIER; ALVIM WAMBIER, 2002. p. 21).

A respeito das questões inerentes ao letramento e as relações de gênero, jamais se deverá permitir a propagação do desrespeito, da diminuição, da pejoratização dos segmentos que tem competências, capacidades, demandas, necessidades, e anseios específicos, e também não se deve permitir de modo algum que os segmentos das mulheres/crianças/povos originários/LGBTQIAP+, sejam estudados de forma isolada, mas se deve permitir e implementar políticas públicas que contemplem as necessidades destes segmentos, respeitando assim a sua identidade/pertença/não pertença a seus grupos de origem, pois precisamos falar de pessoas, precisamos cuidar de pessoas, para assim evoluir cientificamente, economicamente, socialmente, juridicamente e humanamente. O letramento de gênero contrapõe dois lugares de modo a questioná-los dentro da prática social de leitura: o de subversão contra a submissão vigente e imposta, e o de servilidade e não servilidade. E a palavra letramento ainda carece de uma definição precisa, pois diferentes autores a descrevem de diversas maneiras (SOARES, 2002).

Diante disto, a oposição desses lugares, quando pontuados de modo adequado, servirá para ampliar as várias particularidades que os segmentos das mulheres/crianças/povos originários/LGBTQIAP+, têm em seu bojo, e que precisam ser respeitados, e prontamente resguardados. Ainda que as consequências dos efeitos diretos da implementação de políticas públicas em relação aos segmentos das mulheres/crianças/povos originários/LGBTQIAP+ por mais que possam parecer pequenos no curto prazo, elas são razoavelmente altos, em prazos mais longos. “É fundamental que todos os atos governamentais sejam discutidos com os segmentos sociais envolvidos em sua aplicabilidade, para que não pairem dúvidas sobre seus reais objetivos (SURUAGY, 1994. p. 09).

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Apresentou se nestas linhas um pequeno esboço sobre o letramento e as relações de gênero, e como o (a) profissional do Direito e da Psicologia deverá atuar no resguardo de direitos civis, em relação ao segmento das mulheres/crianças/povos originários/LGBTQIAP+, e que tais vieses se deem associados às práticas sociais via políticas públicas direcionadas de modo adequado e ordeiro. Até então o debate sobre o letramento e as relações de gênero tem apresentado estas posições como excludentes e isoladas para cada segmento de pessoas, o que foge ao estipulado pela CF/88. É neste ponto que se adota uma posição intransigente no que tange a implementação de políticas públicas sérias e eficientes em relação ao segmento das mulheres/crianças/povos originários/LGBTQIAP+. Por serem os indivíduos, seres sujeitos de direitos e deveres, além de atores culturais/sociais que deverão ser protagonistas deste processo de interação.

A polarização do debate sobre gênero, que se observa hoje no Brasil e os defensores de práticas menos diretivas e mais voltadas para fomentar a sanha desvairada de grupos reacionários e conservadores, nos parece retroceder no debate sobre o letramento e as relações de gênero em relação ao segmento das mulheres/crianças/povos originários/LGBTQIAP+ em nosso país. Trazer a existência projetos vanguardistas, efetivos e eficientes para o segmento das mulheres/crianças/povos originários/LGBTQIAP+, este deverá ser o desafio do (a) profissional do Direito e da Psicologia. Desenvolver práticas que visem tornar vanguardistas, efetivos e eficientes a proteção ao segmento das mulheres/crianças/povos originários/LGBTQIAP+, ao mesmo tempo em que se desenvolvam estas práticas de resguardo de direitos civis/sociais em um contexto significativo, que seja includente e não excludente de pessoas e de segmentos de pessoas.

*Débora Andrade Camargo da Silva é bacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC Goiás, advogada devidamente inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Goiás – OAB/GO sob o n. 47.273, especialista em Direito Civil e Processo Civil, Direito das Famílias e das Sucessões, Direito Público, Direito Médico e Conciliação e Mediação. Psicóloga inscrita no CRP 09/17.439, graduada em Psicologia pela Universidade Paulista – UNIP/GO, especializanda em Abordagem Sistêmica e Psicodrama e Psicologia Jurídica, membro da Comissão de Direito das Famílias da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Goiás – OAB/GO – triênio 2022/2024, presidente da Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero – CDSG – da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Goiás – OAB/GO – triênio 2022/2024.

*Fernanda Santos é bacharela em Direito, especialista latu sensu em Direito do Consumidor pela Universidade Federal de Goiás – UFG, especialista latu sensu em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Rede Atame, especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Faculdade Legale, especializanda em Docência Universitária pela Faculdade Serra Geral, entrevistadora do DM Jurídico, foi entrevistadora do Arena Criminal WEB, pela Rádio MID, capacitada em práticas colaborativas pelo Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas – IBPC em 2018, capacitada em administração de conflitos e negociação pelo Centro Universitário Faveni em 2021, controller jurídico  do Grupo Pitterson Maris Advogados Associados, parecerista em matéria cível, filiada na Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD – Núcleo Goiás, e da Associação Vida e Justiça – Associação Nacional em Apoio e Defesa dos Direitos das vítimas da COVID-19 – Núcleo Goiás, Vice presidente da Rede de Ação e Reação Internacional – RARI Núcleo Goiás (2021/2023), foi articulista do jornal Perspectiva Lusófona em Angola (2010/2012), articulista do jornal Diário da Manhã (2009/2019), com publicações veiculadas no site Opinião Jurídica (2008/2011) no site Rota Jurídica em Goiânia-GO (2014/2017), e no Jornal O Hoje (2022/2023), em Goiânia-GO, pela Revista Consulex (2014/2016), e com artigos publicados pela Revista Conceito Jurídico, e Prática Forense pela Editora Zakarewicz (2019). Foi membro efetivo da Comissão da Advocacia Jovem – CAJ, da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Goiás – OAB/GO – Gestão 2013/2015.

REFERÊNCIAS:

BERNARDINO, Matheo. Psicologia, sexualidade e gênero: como as relações de gênero podem interferir no seu cotidiano?. Artigo Publicado em: 18/05/2020. Disponível em: <https://blog.psicologiaviva.com.br/psicologia-e-genero/#:~:text=nos%20transformemos%20pessoalmente.-,Psicoterapia%20e%20engajamento%20social,empatia%20para%20com%20esse%20tema.>. Acesso em: 26 jul 2023.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. Palácio do Planalto. Presidência da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 26 jul 2023.

CHAUÍ, Marilena. Conformismo e resistência: aspectos da cultura popular no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1986.

LOPES JR., Aury. Fundamentos do processo penal: introdução crítica. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

SOARES, Magda. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura. Artigo publicado na Revista Educação & Sociedade, vol. 23, núm. 81, diciembre, 2002, pp. 143-160. Centro de Estudos Educação e Sociedade, Campinas, Brasil.

SURUAGY, Divaldo. Chefe de estado in Chefe de estado, Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1994.

 

WAMBIER, Luiz Rodrigues. ALVIM WAMBIER, Teresa Arruda. Breves comentários à 2ª fase da reforma do Código de processo civil: Lei 10.352, de 26.12.2001, Lei 10.358, de 27.12.2001. São Paulo: Revista

*Débora Andrade Camargo da Silva é bacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC Goiás, advogada devidamente inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Goiás – OAB/GO sob o n. 47.273, especialista em Direito Civil e Processo Civil, Direito das Famílias e das Sucessões, Direito Público, Direito Médico e Conciliação e Mediação. Psicóloga inscrita no CRP 09/17.439, graduada em Psicologia pela Universidade Paulista – UNIP/GO, especializanda em Abordagem Sistêmica e Psicodrama e Psicologia Jurídica, membro da Comissão de Direito das Famílias da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Goiás – OAB/GO – triênio 2022/2024, presidente da Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero – CDSG – da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Goiás – OAB/GO – triênio 2022/2024.

*Fernanda Santos é bacharela em Direito, especialista latu sensu em Direito do Consumidor pela Universidade Federal de Goiás – UFG, especialista latu sensu em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Rede Atame, especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Faculdade Legale, especializanda em Docência Universitária pela Faculdade Serra Geral, entrevistadora do DM Jurídico, foi entrevistadora do Arena Criminal WEB, pela Rádio MID, capacitada em práticas colaborativas pelo Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas – IBPC em 2018, capacitada em administração de conflitos e negociação pelo Centro Universitário Faveni em 2021, controller jurídico  do Grupo Pitterson Maris Advogados Associados, parecerista em matéria cível, filiada na Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD – Núcleo Goiás, e da Associação Vida e Justiça – Associação Nacional em Apoio e Defesa dos Direitos das vítimas da COVID-19 – Núcleo Goiás, Vice presidente da Rede de Ação e Reação Internacional – RARI Núcleo Goiás (2021/2023), foi articulista do jornal Perspectiva Lusófona em Angola (2010/2012), articulista do jornal Diário da Manhã (2009/2019), com publicações veiculadas no site Opinião Jurídica (2008/2011) no site Rota Jurídica em Goiânia-GO (2014/2017), e no Jornal O Hoje (2022/2023), em Goiânia-GO, pela Revista Consulex (2014/2016), e com artigos publicados pela Revista Conceito Jurídico, e Prática Forense pela Editora Zakarewicz (2019). Foi membro efetivo da Comissão da Advocacia Jovem – CAJ, da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Goiás – OAB/GO – Gestão 2013/2015.