Felipe Mazza*
Em 15 de abril passado, o Direito do Trabalho ganhou destaque nos jornais de todo o país, em razão da decisão proferida pelo Ministro Gilmar Mendes, que determinou a suspensão de todos os processos trabalhistas que versam sobre o tema da “pejotização”.
A decisão tem como objetivo a suspensão das ações até o julgamento final do Tema 1389, reconhecido pelo Plenário do STF, neste mês de abril, como de repercussão geral. O julgamento irá sedimentar a discussão sobre três diferentes aspectos, como destacou o relator: a competência da Justiça do Trabalho para julgar as causas em que se discute a fraude no contrato civil de prestação de serviços; a licitude da contratação de trabalhador autônomo ou pessoa jurídica para a prestação de serviços, à luz do entendimento firmado no julgamento da ADPF 324 e a responsabilidade pelo ônus da prova na alegação de fraude contratual — se recai sobre o trabalhador ou sobre a empresa.
Além das regras trabalhistas um tanto quanto rígidas, a contratação de um celetista é permeada por reflexos tributários e previdenciários, que encarecem a folha de pagamento e tornam uma relação que já é desafiadora ainda mais onerosa.
Esse fator levou, ao longo dos anos, a uma série de tentativas de desvirtuar os requisitos do vínculo empregatício — sendo uma das mais comuns a transformação do trabalhador, pessoa física, em pessoa jurídica, a fim de afastar o requisito da pessoalidade, inerente ao contrato de trabalho.
Com essa manobra, o empregador passa a ter mais liberdade na formulação de cláusulas contratuais e a reduzir os custos operacionais, muitas vezes negligenciando direitos básicos do empregado, como horas extras, férias, 13º salário etc.
Identificado esse fenômeno, juristas passaram a chamá-lo de pejotização, prática compreendida, de forma majoritária, como uma fraude à legislação trabalhista.
Em 2004, com a Emenda Constitucional nº 45, a Justiça do Trabalho teve sua competência ampliada, passando a julgar, também, ações que envolvem relações de trabalho atípicas, como os contratos de prestação de serviços firmados por meio de pessoa jurídica.
Com base no princípio da primazia da realidade sobre a forma, os tribunais trabalhistas passaram a reconhecer o vínculo empregatício sempre que identificavam que, apesar da formalização por meio de pessoa jurídica, estavam presentes os requisitos clássicos da relação de emprego.
Ocorre que o STF passou a se posicionar de forma divergente. Nos Temas 550 e 725 e ADPF 324, a Corte reconheceu a validade dos contratos entre empregadores e pessoas jurídicas individuais e entendeu que a competência para julgar tais casos seria da Justiça Comum.
Mesmo assim, a Justiça do Trabalho manteve seu entendimento, julgando ações e, em muitos casos, contrariando decisões do STF. Isso gerou uma enxurrada de reclamações constitucionais, transformando o Supremo em instância revisora de decisões trabalhistas.
Esse embate culminou na recente decisão de suspensão dos processos sobre pejotização até o julgamento do Tema 1389, cuja decisão terá efeito vinculante e repercussão geral.
Trata-se de um divisor de águas! A depender do entendimento firmado pelo STF, há o risco de uma reformulação profunda — e perigosa — do conceito de relação de trabalho no Brasil.
A possível validação da pejotização preocupa seriamente os operadores do Direito do Trabalho. Se consolidado o entendimento de que contratos com pessoas jurídicas individuais são válidos e não configuram vínculo de emprego, isso pode representar o fim da proteção legal oferecida pela CLT.
Direitos como férias, horas extras, licença-maternidade, FGTS e 13º salário estariam sob ameaça. E o impacto não se limita aos trabalhadores: o Estado também perde, com a queda da arrecadação de tributos e contribuições sociais como INSS, FGTS, imposto de renda retido na fonte etc.
Além disso, a ideia de que há simetria entre capital e trabalho na hora de negociar contratos é ilusória. A liberdade contratual, quando imposta por necessidade, não é liberdade — é imposição disfarçada.
Se essa lógica já é injusta em tempos de bonança econômica, imagine em momentos de crise e desemprego. A pejotização, caso validada em definitivo, poderá nos lançar em um cenário análogo ao dos primórdios da Revolução Industrial, onde a proteção ao trabalho era inexistente e o trabalhador era mero instrumento de produção.
O Direito do Trabalho nasceu para equilibrar a balança entre capital e trabalho. Retirar essa proteção é inverter essa lógica — e fazer isso por escolha judicial é um retrocesso civilizatório.
*Felipe Mazza é coordenador da área de Direito Trabalhista do Efcan Advogados.