Na discussão do testamento do Gugu, quem perde é você

Laura Brito*

Os testamentos são a forma mais tradicional, testada e consolidada de planejamento sucessório. A vontade do testador assume forma e solenidade para ser preservada e cumprida após a sua morte. É claro que testamentos podem ser questionados, mas, salvo casos evidentes de vício na declaração de vontade ou de ausência dos requisitos legais mínimos, as disposições de última vontade deverão ser cumpridas ao máximo. Explico.

Para começar, anulação de testamento é consequência de vício na manifestação da vontade. É quando uma pessoa faz o testamento sob coação ou quando já estava incapaz, por exemplo, por uma demência. Neste caso, não há que se prestigiar a vontade escrita, porque não eram os desejos do testador. Aí, de fato, o testamento não é válido e não pode ser considerado.

Mas completamente diferente é a situação em que uma pessoa faz um testamento, livre e lúcida, escolhendo o destino de todos ou quase todos os seus bens. Neste caso, se o testador tinha herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge) e a metade dos bens que a lei garante a esses herdeiros foi violada, as proporções podem ser reajustadas para garantir o cumprimento da legislação e a vontade do testador, no limite do que ele poderia testar. Isso não é invalidade, isso é redução das cláusulas testamentárias. E anular um testamento é muito diferente de refazer as contas.

Pois bem. A discussão que tivemos sobre o testamento do Gugu foi se haveria necessidade de recalcular as participações dos herdeiros. Isso porque ele destinou 100% dos seus bens – 25% para seus sobrinhos e 75% para seus filhos. Ou seja, ele testou 100% do seu patrimônio. O questionamento foi: se ele tem herdeiros necessários (os três filhos reconhecidos), ele só poderia, por lei, testar metade de seus bens. Mas aí que mora a armadilha. Se ele testou 100% dos seus bens, mas garantiu, ao menos, 50% para os filhos, ele não violou a legislação e não será necessário mudar nada nas disposições – só cumprir. Foi isso que decidiu o Superior Tribunal de Justiça. Ele poderia, simplesmente, ter deixado 25% para seus sobrinhos que, pela ordem legal, o resto iria para os filhos.

O nó está na existência de outros herdeiros. Duas pessoas pretendem ter reconhecida união estável com o Gugu – Rose Miriam, mãe de seus filhos, e Thiago Salvático. Se algum deles for reconhecido como tal, o que não parece que vai acontecer, teremos um herdeiro não contemplado em um testamento que destinou 100% dos bens. Daí, uma nova discussão se abrirá sobre a condição ou não de herdeiro necessário de eventual companheiro, já que a lei fala em cônjuge. Independentemente do que a Justiça decidir, a solução é o recálculo das participações e não a invalidade do testamento.

plot twist do caso, contudo, é a pretensão do reconhecimento de paternidade por parte de Ricardo Rocha. Mais uma vez lemos nas notícias que isso pode levar à anulação do testamento. Não é isso! Mas, se Ricardo for mesmo filho do Gugu, o testamento não poderá ser cumprido por rompimento. É que a lei determina que, se aparecer um descendente que o testador não conhecia quando testou, o testamento perderá eficácia em todas as suas disposições. Não existe vício de vontade, mas faltava uma informação essencial. Nesta situação, os bens do Gugu serão divididos de acordo com a ordem legal de vocação hereditária.

A confusão entre esses conceitos e essas consequências pode causar um desserviço. Pois pode dar a falsa impressão de que testamentos são inseguros. E não é assim. Testamentos são uma forma excelente de exercer sua autonomia e manifestar a própria vontade para depois da morte. Praticamente todo mundo deveria fazer. Se você deixar de fazer testamento por causa da barafunda do Gugu, quem perde é você.

*Laura Brito é advogada especialista em Sucessões e Direito da Família. Em 2015, fundou o escritório Laura Brito Advocacia em Belo Horizonte (MG), com foco na seriedade e no comprometimento na apresentação de soluções aos problemas jurídicos provenientes das relações familiares e da transmissão de patrimônio. Com quase duas décadas de experiência profissional e acadêmica, além de expertise na pesquisa científica, é autora de artigos sobre Sucessões e Direito de Família e integrante do corpo editorial de diversos periódicos jurídicos.