Eleitores podem utilizar gravação como prova para denunciar venda de votos?

Júlia Matos*

A venda de votos é um fenômeno complexo, que pode adotar diversas formas, desde transações financeiras diretas até promessas de favores políticos ou benefícios futuros. Apesar das suas diferentes manifestações, essa prática costuma ser conduzida em segredo, distante da observação do público e das autoridades eleitorais.

Nesse contexto de sigilo e clandestinidade, as gravações de áudio ou vídeo surgem como ferramentas cruciais na exposição dessas atividades ilícitas. Ao capturar conversas entre eleitores e candidatos, ou seus representantes, essas gravações fornecem evidências tangíveis que podem fundamentar denúncias e desencadear investigações.

Esse tipo de gravação, seja ela ambiental ou clandestina, consiste na captura de comunicações realizadas no local onde ocorrem, por um dos participantes da conversa, sem o consentimento dos demais interlocutores. Essa prática levanta questões legais e éticas que precisam ser cuidadosamente consideradas pelos envolvidos.

No entanto, conforme entendimento recente do Supremo Tribunal Federal (STF), ficou estabelecido que em processos eleitorais, a obtenção de provas por meio de gravação ambiental clandestina, realizada por um dos participantes da conversa sem autorização judicial e sem o conhecimento dos demais, é considerada ilícita. De modo que, os eleitores que desejam denunciar essa prática ilícita, não poderão fazê-la por intermédio de gravações ambientais.

Essa decisão foi proferida no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1040515, com repercussão geral reconhecida (Tema 979), durante a sessão plenária virtual encerrada em 26 de abril de 2024.

O recurso foi apresentado ao STF pelo Ministério Público Eleitoral contra uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que anulou a condenação de prefeito e vice-prefeito do Município de Pedrinhas (SE) por compra de votos nas eleições de 2012. O TSE considerou inválidas as provas, uma vez que as gravações que serviram de base para a condenação foram feitas sem o conhecimento do outro participante da conversa.

Em que pese haver a conclusão pela ilicitude da gravação ambiental, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem admitido o uso de gravações ambientais de segurança, realizadas de forma ostensiva em locais como bancos, centros comerciais e ruas, onde não há expectativa razoável de privacidade. Nesses casos, a natureza pública do ambiente exclui a necessidade de autorização para a gravação.

Em suma, é crucial que o eleitor esteja ciente da restrição em relação à utilização de gravações ambientais como prova em processos eleitorais, uma vez que não podem mais ser admitidas sem autorização judicial e violam a privacidade e a intimidade dos interlocutores. Essa mudança destaca a importância de buscar outras formas legais e éticas de combater a corrupção eleitoral, como a denúncia de irregularidades às autoridades competentes e o apoio a medidas que promovam a transparência e a integridade nas eleições.

*Júlia Matos é advogada eleitoral. @juliacomatos