Sued Araújo Lima*
É comum que, em razão da insatisfação com o trabalho desempenhado por um advogado em determinada situação, o cliente busque a contratação de um novo profissional.
No entanto, a habilitação do novo advogado constituído para atuar em um processo no qual já há procurador previamente habilitado, pode gerar complicações éticas ao patrono que ingressa na causa.
Isso porque não são raras as situações em que advogados, visando a habilitação no processo para o qual foram contratados, acabam apresentando uma nova procuração aos autos, mesmo quando o advogado anterior ainda está formalmente constituído.
No presente artigo, vamos examinar as implicações dessa conduta no Tribunal de Ética e Disciplina da OAB, destacando-se, desde já, que a aceitação de procuração de um cliente já assistido por outro advogado pode ser considerada uma infração ética.
Da previsão da conduta como infração ética-disciplinar
O Art. 14 do Código de Ética e Disciplina da OAB proíbe que o advogado aceite procuração de quem já tem advogado constituído:
Art. 14. O advogado não deve aceitar procuração de quem já tenha patrono constituído, sem prévio conhecimento deste, salvo por motivo plenamente justificável ou para adoção de medidas judiciais urgentes e inadiáveis.
Nesse ponto, é importante observar que o próprio artigo traz as hipóteses em que o aceite da procuração não será considerada como infração ética-disciplinar, quais sejam:
- O conhecimento prévio do advogado a ser desabilitado;
- Motivo justificável;
- Adoção de medidas judiciais urgentes e inadiáveis;
Da comunicação prévia ao advogado anterior
Para evitar que a prática seja considerada infração, o advogado deve comunicar ao colega que atuava anteriormente que o cliente o constituiu como novo procurador.
Por óbvio, caso o advogado a ser desconstituído não crie embaraços, a situação será resolvida sem maiores conflitos.
Ocorre que, em muitos casos, a preocupação com os honorários sucumbenciais ou contratuais acaba criando dificuldades no processo de desconstituição do antigo advogado.
Nessas situações, é recomendável que o advogado que está ingressando no processo esclareça e destaque os honorários devidos ao advogado que atuou anteriormente. Essa abordagem facilita sua habilitação e ajuda a prevenir conflitos adicionais.
De qualquer forma, se persistir a resistência do advogado anterior, é recomendável que o próprio cliente formalize a revogação do mandato.
Do motivo justificável
A legislação é abstrata e não fornece uma definição clara do que constituiria um motivo justificável para permitir a juntada de uma nova procuração em um processo onde já há um advogado constituído, mesmo na ausência de comunicação prévia.
Dessa forma, é importante verificar o posicionamento jurisprudencial dos Tribunais de Ética. Assim, vejamos o entendimento do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB (GO) em determinada representação: Parte superior do formulário
EMENTA: REPRESENTAÇÃO. INFRAÇÃO ÉTICO-DISCIPLINAR. ACEITAR PROCURAÇÃO DE QUEM JÁ TEM PATRONO CONSTITUÍDO. POSSIBILIDADE. IMPROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO. I Nos termos do disposto no artigo 14 da Resolução 02/2015 (Código de Ética e Disciplina da OAB) o advogado não deve aceitar procuração de quem já tem patrono constituído, sem prévio conhecimento deste, salvo por motivo plenamente justificável ou para adoção de medidas judiciais urgentes e inadiáveis. II No caso em testilha resta demonstrado que o Representado aceitou procuração dentro das exceções previstas, mormente pela ausência de manifestação da Representante nos autos judiciais por 6 (seis) meses, fato esse, inclusive, que ocasionou a citação da parte pela via editalícia. III Face a ausência nos autos de elementos probatórios que demonstrem, de forma inequívoca, que o Representado cometeu a infração ética estampada no artigo 14 da Resolução 02/2015 (Código de Ética e Disciplina da OAB) a improcedência da representação é ato de inteira justiça. IV Representação julgada improcedente.
(Processo nº: 202204076, Voto: unanimidade, Presidente da turma: Renata Osório Caciquinho Bittencourt, Relator(a): MARCOS AURÉLIO LOUZADA DE SOUZA, Data da sessão: 16/05/2023)
No caso acima, em que pese inexistir necessidade de medidas judiciais urgentes, o motivo justificável se deu pela ausência de manifestação do advogado anterior nos autos judiciais por seis meses, o que gerou prejuízos aos interesses do cliente.
Medidas judiciais urgentes e inadiáveis
É cediço que a advocacia possui um leque de atuação extremamente amplo, de tal modo que, não há uma definição específica quanto ao que se entende por medidas judiciais urgentes e inadiáveis.
Nesses casos, a aceitação de uma nova procuração, mesmo com a presença de um advogado já constituído nos autos e sem comunicação prévia, não será considerada uma infração ética-disciplinar.
A título de exemplo, vejamos uma representação julgada pelo TED da OAB (GO):
EMENTA: PROCESSO ÉTICO-DISCIPLINAR. ADVOGADO. PROCESSO COM PATRONAS CONSTITUÍDAS. CIÊNCIA PRÉVIA. PROVA INEQUÍVOCA. IMPROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO. 1. A juntada de procuração em processo que já tenha advogadas constituídas, mediante motivo plenamente justificável ou para adoção de medidas judiciais urgentes e inadiáveis, não fere os preceitos do art. 14 do CED. 2. Restou demonstrada a boa-fé na atuação dos Representados para evitar que o pedido de desistência e arquivamento da Ação de Alimentos, com liminar expedida, assinado equivocadamente pela cliente, sem as orientações adequadas das Patronas de origem, a prejudicassem. 3. O intuito dos advogados representados, ao adotar tal conduta, foi a de garantir a prestação jurisdicional em tempo ágil e menos prejudicial. 4. Violação do art. 14 do CED não configurada. (Processo nº 202007519, Voto: unanimidade, Presidente da turma: Paula Alexandrina Vale de Medeiros, Relator (a): FERNANDA LOURENCO DOS SANTOS, Data da sessão: 01/03/2023)
Nesse caso, a medida judicial urgente e inadiável consistiu em evitar o pedido de desistência que culminaria no arquivamento da ação de alimentos que já possuía liminar expedida.
Do procedimento junto ao Tribunal de Ética e Disciplina
Uma vez que as representações costumam ter como representantes os advogados que foram desabilitados, o procedimento junto ao TED costuma se diferenciar dos demais.
Isso porque quando ambas as partes são advogadas em processos do Tribunal de Ética, há um procedimento específico.
Nesse contexto, o Provimento nº 83/1996 dispõe em seu art. 1º o seguinte procedimento:
Art. 1º. Os processos de representação, de advogado contra advogado, envolvendo questões de ética profissional, serão encaminhados pelo Conselho Seccional diretamente ao Tribunal de Ética e Disciplina, que:
I – notificará o representado para apresentar defesa prévia;
II – buscará conciliar os litigantes;
III – acaso não requerida a produção de provas, ou se fundamentadamente considerada esta desnecessária pelo Tribunal, procederá ao julgamento uma vez não atingida a conciliação.
Ou seja, antes mesmo do início da representação, os advogados envolvidos deverão participar da audiência de conciliação.
No entanto, uma vez não atingida a conciliação entre as partes, poderá ser oportunizada aos advogados a produção de provas para julgamento do feito.
Da sanção a ser aplicada
Por fim, dado que a prática de aceitar procuração em um processo assistido por outro advogado configura uma violação ao preceito ético estabelecido no art. 14 do Código de Ética e Disciplina, a sanção aplicável será a de censura, conforme previsto no art. 36, II, do Estatuto da Advocacia e da OAB.
*Sued Araújo Lima é graduado em Direito pela PUC/GO, sócio do escritório Merola & Ribas Advogados, Especialista em Direito Público pelo Instituto Goiano de Direito. Foi Assessor da Presidência do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/GO.