Do recurso cabível contra decisão prolatada em 1ª fase da ação de prestação de contas

Leonardo Sobral Moreira*

Com as inovações trazidas pela legislação processual civil, o art. 550, §5º, do CPC, dispõe sobre a matéria da seguinte forma: “A decisão que julgar procedente o pedido condenará o réu a prestar as contas no prazo de 15 dias, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que o autor apresentar”.

A controvérsia a respeito da natureza da decisão que encerra a primeira fase da ação de exigir contas, se interlocutória de mérito ou sentença é discutida por doutrinadores como Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery que afirmam que: “contra sentença proferida em qualquer fase da ação de prestação de contas cabe apelação.

Nesse sentido, Daniel Amorim Assumpção Neves, também defende a existência de sentença na primeira fase do procedimento em questão:

“A grande especialidade procedimental da ação de exigir contas é a existência de duas fases procedimentais sucessivas, sendo a primeira para se discutir o dever de prestação das contas e a segunda para a discussão do valor do saldo devedor. Cada fase será decidida por uma sentença, o que torna essa demanda de conhecimento singular, pois o mérito será necessariamente decidido em dois momentos distintos. São duas as sentenças, mas a petição inicial é uma só, daí a necessidade de se fazer a cumulação de pedidos já referida (cumulação sucessiva).

Por outro lado, o Fórum Permanente de Processualistas Civis, por meio do Enunciado nº 177, fixou o seguinte entendimento, in verbis: “177. (arts. 550, § 5º e 1.015, inc. II) A decisão interlocutória que julga procedente o pedido para condenar o réu a prestar contas, por ser de mérito, é recorrível por agravo de instrumento”.

Há de se registrar, também, que alguns Magistrados reconhecem a apelação como recurso cabível contra decisão que julga a primeira fase da ação de exigir contas, a teor do contido no art. 550, §4º, do CPC: “Se o réu não contestar o pedido, observar-se-á o disposto no art. 355”.

A despeito da relevante controvérsia, emerge acertada a opção do legislador ao referir-se expressamente a “decisão” como ato que finaliza a primeira fase da ação de exigir contas, atribuindo-se ao ato, por conseguinte, a natureza de interlocutória de mérito (art. 1.015, inciso II, do CPC), já que concluída apenas uma das etapas em que se desdobra esse procedimento, subsistindo ainda atividade cognitiva a ser realizada na fase subsequente.

Nesse sentido, os ensinamentos de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero:

“(…) veemente e expressamente denominava esse ato como “sentença” — que o ato judicial que encerrava a primeira fase do procedimento da prestação de contas devesse ser assim tratado. Destoava, porém, essa ideia do contexto geral do Código, já que por essa “sentença” não se encerrava a fase de conhecimento do processo. Concluía-se apenas uma das etapas em que se desdobrava, neste procedimento, o conhecimento do mérito. Daí o motivo de desconforto criado por essa figura estranha. (…)”

O CPC, porém, expressamente, afirma que o ato do juiz que julga a primeira etapa da ação de exigir contas é uma decisão, ou seja, uma decisão interlocutória (art. 550, §5º, do CPC), em consonância com a ideia de que o CPC faz de sentença (vinculando-a ao encerramento de uma das fases, ou de conhecimento ou de satisfação, do processo).

Em segundo lugar, caracterizar esse ato como decisão interlocutória faz com que o recurso designado para o atacar seja o agravo, que, não impede, por si só, o prosseguimento do processo para a segunda fase.

Nessa linha, tendo em vista o pronunciamento judicial proferido na vigência do CPC/2015, que põe fim à primeira fase da ação de exigir contas, condenando o Réu a prestar contas ao Autor, muito embora possa ser intitulado de sentença, consubstancia, na realidade, decisão interlocutória de mérito que desafia recurso de agravo de instrumento.

Corrobora esse entendimento a doutrina de Humberto Theodoro Júnior:

“A preocupação do legislador ao preferir, na espécie, falar em decisão em vez de sentença não se deveu a uma mera opção léxica, pois a diferença entre esses dois atos judiciais dentro do próprio Código produz efeitos relevantes, no tocante ao regime recursal. Se fosse mantida a sistemática de encerrar a primeira fase da ação por meio de sentença, como queria o Código velho, o recurso interponível seria a apelação, remédio que paralisaria a marcha do processo em primeiro grau, subindo necessariamente os autos ao Tribunal de Justiça. Somente depois de julgado definitivamente o apelo é que se retomaria a movimentação do feito, iniciando a segunda fase. Tendo, porém, a nova lei adotado o encerramento da primeira fase por meio de decisão, o recurso contra esta será o agravo de instrumento, já que embora não encerrando a atividade cognitiva do processo, teria sido julgado parte do mérito da causa, qual seja, a relativa ao direito de exigir contas (art. 1.015, II).”

Não obstante, levando-se em consideração a importante controvérsia doutrinária e jurisprudencial que ainda permeia a questão e o fato de o ato ser intitulado de sentença, impõe-se o afastamento da hipótese de erro grosseiro do recorrente.

Isso porque, a princípio, a interposição do agravo de instrumento permite que a ação de exigir contas prossiga em suas fases subsequentes na origem. No entanto, dada a controvérsia acerca do recurso cabível, não se pode permitir que o recorrente seja prejudicado em seu direito de recorrer, motivo pelo qual, entende-se razoável o processamento e análise de recurso de apelação, homenageando-se a economia processual e potencializando-se a instrumentalidade das formas.

 

De mais a mais, ressalte-se, é tecnicamente preferível o recebimento do recurso de agravo de instrumento ao processamento do apelo, uma vez que que o referido ato judicial possui natureza jurídica de decisão interlocutória, já que não põe fim ao processo, mas apenas a uma fase processual. Logo, nos termos do artigo 1.015, parágrafo único do CPC/15, a decisão prolatada em 1ª fase da ação de prestação de contas desafia recurso de agravo de instrumento e não apelação cível.

*Leonardo Sobral Moreira é advogado, atuante na área de Direito do Consumidor, Civil e Processual Civil no escritório Denerson Rosa Sociedade de Advogados. Coordenador do Núcleo de Processo Civil do Instituto de Estudos Avançados em Direito. E-mail para contato: leosobral11@gmail.com. Leonardo está no Instagram como @_leonardosobral

Referências Bibliográficas:

NERY JR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Comentários ao Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 1370.

Manual de direito processual civil – Volume único. 8. ed. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.

Novo Curso de Processo Civil, vol. 3, 1ª edição, Ed. Revista dos Tribunais, 2015, p. 145.

Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos Especiais – vol. II – 50ª ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016.