Consequências trabalhistas do auxílio-doença no contrato de trabalho: um guia essencial

Karen Xavier*

O auxílio-doença, benefício previdenciário concedido pelo INSS, assume um papel crucial na proteção dos trabalhadores diante de incapacidades temporárias decorrentes de problemas de saúde. No entanto, a concessão deste benefício traz consigo uma série de implicações que podem repercutir diretamente no contrato de trabalho entre empregado e empregador. Neste artigo, exploramos as principais nuances das consequências trabalhistas do auxílio-doença no contexto do contrato laboral.

I – Principais Impactos Trabalhistas do Auxílio-Doença no Contrato de Trabalho

Uma das consequências da aprovação do auxílio-doença no contrato de trabalho é que enquanto o trabalhador permanece incapacitado para realizar suas tarefas laborais, a responsabilidade de pagamento do auxílio passa para o INSS, atuando como uma compensação salarial até a recuperação do indivíduo e o seu subsequente retorno às suas funções usuais, ou seja, não há remuneração por parte do empregador.
Durante a permanência do empregado no estado de afastamento, o contrato de trabalho entra em pausa, e a abordagem difere de acordo com o tempo dessa suspensão ou interrupção com o recebimento do auxílio-doença. Diante disso, a distinção entre suspensão e interrupção é crucial, já que uma ocasiona o pagamento regular da remuneração e contabiliza como período de trabalho, enquanto a outra não o faz.

Foi instituído que “na impossibilidade de realização da perícia inicial antes do término do período de recuperação indicado pelo médico assistente em documentação, o empregado é autorizado a retornar ao trabalho no dia seguinte à data indicada pelo médico assistente, mantida a necessidade de comparecimento do segurado à perícia na data agendada”.

Essa medida visa evitar a desproteção financeira daquele que ainda não passou pela avaliação médica do INSS e que não está mais abarcado pelo prazo legal dos primeiros 15 dias de afastamento, que são computados contra o empregador.

II – Distinção entre Suspensão e Interrupção do Contrato de Trabalho

A delimitação entre os conceitos de suspensão e interrupção do contrato de trabalho exibe implicações significativas no contexto laboral. A interrupção, em razão de sua natureza mais favorável ao trabalhador, enseja um quadro em que mais prerrogativas contratuais podem ser reclamadas junto ao empregador. Notadamente, neste cenário, a exigibilidade do pagamento salarial e a consideração do período de afastamento como lapso efetivamente laborado são corolários intrínsecos.

Em contrapartida, o recurso à suspensão conduz à circunstância em que as cláusulas do contrato experimentam uma momentânea suspensão, resultando na inatividade do desembolso salarial e na ausência da consideração do período de prestação de serviços para fins de contagem temporal.

Na prática, os empregadores comumente recebem o atestado médico do funcionário até o 15º dia, desencadeando a cessação do pagamento remunerativo e direcionando o colaborador para a esfera do INSS, independentemente da aprovação do benefício. Essa prática, entretanto, pode gerar um prologado período de expectativa, desprovido de suporte financeiro ao segurado.

III – Contagem do Período para Férias

A contagem do período de afastamento por auxílio-doença é considerada para o cômputo das férias. De acordo com a legislação trabalhista, se o período de afastamento não ultrapassar 6 meses, seja de forma contínua ou não, esse tempo é contabilizado para o cálculo das férias. Porém, caso o afastamento seja superior a 6 meses, será iniciado um novo período aquisitivo de férias após o retorno ao trabalho.

IV – Consequências para Estabilidade no Emprego

A concessão do auxílio-doença não isenta o empregador de suas obrigações trabalhistas, sobretudo no que se refere à estabilidade no emprego. Caso o trabalhador retorne ao emprego após o período de afastamento, ele permanece protegido por um período de estabilidade. Porém, a estabilidade não impede a demissão por justa causa, e a sua concessão não é automática; o trabalhador deve preencher os requisitos legais para usufruí-la.

É imperativo destacar que o deferimento do benefício, sob a classificação de acidentário (tipo B91), não é uma condição indispensável para que se possa pleitear a estabilidade posterior. Entretanto, a evidenciação de tal correlação adquirirá inelutável relevância em ocasiões vindouras, especialmente no cenário em que a empresa não promoveu a condução correta, dado que a ausência do nexo entre a incapacidade e a atividade laboral resulta na não estabilidade empregatícia.

É oportuno reiterar que a estabilidade não se consubstancia como um impedimento absoluto à rescisão do contrato, sendo que a dispensa por justa causa pode ser aplicada independentemente de qualquer situação de estabilidade, não acarretando vantagens ao empregado.

V – Reintegração, Indenização e Esfera Judicial

Ainda dentro do escopo das consequências, o empregado tem a prerrogativa de buscar a reintegração ao emprego ou requerer uma indenização em casos de demissão sem justa causa após um afastamento por auxílio-doença. Essa possibilidade surge diante de situações de rescisão que possam ser consideradas inadequadas ou injustas, protegendo os direitos do trabalhador.

Em casos de erros ou problemas no processo de concessão do auxílio-doença pelo INSS, o empregador pode buscar reembolso ou compensação junto ao órgão previdenciário. Nesse contexto, ações judiciais podem ser necessárias para assegurar o correto direcionamento das responsabilidades e garantir os direitos do trabalhador.

Contudo, a possibilidade de reingresso ao posto laboral encontra-se condicionada à viabilidade temporal remanescente da estabilidade. Caso o período de estabilidade já haja se esgotado, a única alternativa a ser contemplada pelo ex-funcionário consistiria na obtenção da indenização. Importante salientar que a recusa em retornar ao trabalho não deve ser interpretada como uma renúncia ao direito à estabilidade por parte do trabalhador, tampouco como uma desistência do seu direito à indenização.

VI – Reabilitação profissional

A Lei traz que os ajustes na função e atividades de acordo com a nova realidade do segurado não podem, a princípio, serem tidos por desvio de função, pois faz parte do processo de readaptação social mudar de atribuições.

No entanto, é comum que esse processo seja desrespeitado e o empregador recuse o retorno do trabalhador.

VII – Auxílio doença e rescisão indireta do contrato de trabalho

A rescisão indireta é iniciada pelo empregado em virtude de uma falta grave perpetrada pelo empregador, proporcionando ao trabalhador o direito de encerrar o contrato laboral de maneira voluntária, sem sofrer prejuízos relativos às verbas rescisórias.

Essa prerrogativa encontra embasamento no artigo 483 da CLT e tem sido aplicada de forma notória para casos em que um funcionário está afastado de suas funções devido a um auxílio-doença de caráter acidentário.

Todavia, a complexidade surge quando se busca a rescisão indireta durante o período em que o empregado ainda está recebendo o auxílio-doença. Isso ocorre porque o entendimento judicial é que é inviável promover uma rescisão indireta de um contrato que está suspenso, conforme explicitado pelo artigo 476 da CLT. Por essa razão, é recomendável que o empregado busque medidas judiciais somente após o término do benefício previdenciário que ensejou o seu afastamento.

Considerações Finais

O auxílio-doença, ao mesmo tempo que é uma salvaguarda para trabalhadores em situações de incapacidade temporária, também traz consigo diversas consequências que reverberam no contrato de trabalho. A suspensão do contrato, as implicações para a estabilidade e as possibilidades de reintegração ou indenização são elementos cruciais para compreender o impacto do auxílio-doença na relação laboral. Logo, a busca por orientação jurídica especializada se torna essencial para assegurar uma abordagem adequada e assertiva.

*Karen Xavier é advogada especialista em Direito Trabalhista, LGPD e Compliance trabalhista.