Cancelamento de pacote de passagem área e hotel e os desdobramentos jurídicos

Leonardo Sobral Moreira

*Leonardo Sobral Moreira

O artigo 7º, parágrafos único e primeiro e o artigo 25, ambos do Código de Defesa do Consumidor, dispõem a respeito da responsabilidade solidária das pessoas jurídicas envolvidas no fornecimento de produtos e prestação de serviços colocados à disposição do consumidor.

Assim, tanto empresa aérea quanto agência de turismo e outros prepostos se apresentam como prestadores de serviços cujo destinatário final é o consumidor, portanto todos participam ativamente da cadeia de fornecimento de produtos e serviços no mercado de consumo, mantendo relação jurídica ativa com os consumidores, seja mediante serviço de transporte aéreo, seja intermediando compra e venda de bilhetes aéreos e pacotes turísticos, sendo que todos obtém lucro com a venda de passagem aérea a consumidores.

Ademais, tanto o reembolso quanto a concessão de créditos, bem como as notificações ao consumidor, são de responsabilidade do intermediador da venda e do prestador de serviços de transporte aéreo, tendo em vista a responsabilidade solidária de todos os fornecedores na cadeia de consumo.

O cancelamento de voo em virtude da pandemia de “Covid-19” se caracteriza como caso fortuito (evento de forças da natureza que impactam a sociedade ou parte dela, impedindo que se pratiquem e cumpram obrigações) externo, cuja ocorrência era imprevisível por parte do fornecedor e também do consumidor.

Em razão disso, foi editada a Medida Provisória nº 925/2020 que dispõe sobre as medidas emergenciais para a aviação civil brasileira em razão da pandemia. A referida MP foi convertida na Lei nº 14.034/2020 que, em que pese editada em 05/08/2020, regula os contratos de transporte aéreo que deveriam ser cumpridos durante a pandemia, sendo irrelevante o fato de o cancelamento do voo ou pedido de rescisão ter ocorrido em data anterior à entrada em vigor.

Na lei supracitada, há previsão de cancelamento e utilização de créditos por parte do consumidor, sendo que, caso este não possua interesse na utilização dos créditos, ele pode optar pelo reembolso dos valores pagos.

Neste sentido, outro não é o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça de Goiás:

RECURSO INOMINADO. JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E DANOS MORAIS. CANCELAMENTO DO VOO EM RAZÃO DA PANDEMIA DA COVID-19. RESTITUIÇÃO DO MONTANTE PAGO. LEI N. 14.046/2020. ALTERAÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (…) 8. Em compulso dos autos, denota-se que a parte Autora adquiriu pacote de viagens junto às empresas Requeridas, que juntos totalizam a importância de R$ 8.250,00 (oito mil e duzentos e cinquenta reais). Contudo, em razão do agravamento da pandemia, o voo adquirido fora cancelado. Desta forma, considerando que houve um impedimento por parte das Rés para que a Autora utilizasse as passagens, visto que não houve a possibilidade de remarcação das passagens, devem ser reembolsados os valores dispendidos pelo consumidor na forma determinada na sentença. 9. Verifica-se que o reembolso dos valores despendidos pelo consumidor deve ocorrer sem a aplicação da cláusula penal imposta na r. sentença, visto que não houve quebra contratual por parte da autora e que não havia tal cláusula quando foi firmada a compra do pacote de viagens, e que seria afastada de toda forma pela ocorrência da pandemia. (…)

(TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Recurso Inominado Cível 5164942-48.2022.8.09.0007, Rel. Fernando Moreira Gonçalves, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais, julgado em 29/11/2022, DJe  de 29/11/2022)

É certo que não há culpa do fornecedor, tampouco do consumidor, na impossibilidade de realização da viagem nos tempos do cenário pandêmico, de modo que nestes casos específicos, devem ser aplicadas as disposições retromencionadas.

Quanto ao reembolso do valor das passagens aéreas, a solução é restituir as partes ao status quo ante, de modo que o reembolso do valor da passagem aérea deve se dar de forma integral, sem a incidência de penalidades contratuais, visto o cancelamento não ocorrer por culpa do consumidor.

Desta forma, o consumidor faz jus ao reembolso integral do valor da passagem aérea adquirida, observado que este se dá no prazo de 12 meses a contar da data do início da viagem, nos termos da Lei nº 14.034/2020.

*Leonardo Sobral Moreira é advogado, atuante na área de Direito do Consumidor, Civil e Processual Civil no escritório Denerson Rosa Sociedade de Advogados. Associado ao Instituto de Estudos Avançados em Direito e membro do Núcleo de Direito Processual Civil. E-mail para contato: leo_sobral_@msn.com. Leonardo está no Instagram como @_leonardosobral.