Fabrícia Freire*
O trabalho infantil artístico é um tema muito sensível e ainda levanta polêmicas do ponto de vista social e judicial, uma vez que envolve o glamour, seduzindo a família e a própria criança diante da possibilidade de se tornar uma celebridade.
Além disso, atualmente, o tema assume outra dimensão, visto que nas redes sociais, uma criança pode ganhar notoriedade simplesmente por ser exposta por seus pais. Essa exposição é denominada “Sharenting”. Nesse contexto, o presente artigo busca destacar aspectos gerais do trabalho infantil artístico nas estratégias publicitárias em ascensão, com foco principalmente na perspectiva brasileira.
Crianças na mídia brasileira
O envolvimento de crianças na mídia brasileira, seja através de novelas, filmes, ou anúncios publicitários, é uma prática comum, mas que levanta questões éticas e legais. Esta participação cria figuras públicas mirins, como exemplificado pela trajetória de Maísa Silva, gerando impactos significativos para as crianças envolvidas e para a indústria do entretenimento.
Inês Sampaio (2000) identificou quatro razões-chave que os publicitários consideram essenciais ao escolherem uma criança para o destaque em produções midiáticas, constata-se:
1) a criança ouve outra criança, ou seja, ela é particularmente sensível à interpelação de outra criança; 2) a criança tem um forte apelo emocional ou, (…), ela tem um ‘apelo mágico’ que emociona o adulto e o sensibiliza; 3) a criança pode contribuir para o rejuvenescimento da marca; 4) a criança tem empatia com os anunciantes, favorecendo a aprovação dos comerciais (Sampaio, 2000, p.152).
Dessa forma, gestos e frases marcantes proferidas por crianças em propagandas, exemplificadas pelos icônicos ursinhos da Parmalat e o famoso “Compre Batom”, exerceram um impacto duradouro na memória coletiva, contribuindo para a consolidação de marcas no imaginário popular brasileiro. Essa influência persiste, com a participação infantil em anúncios agora estendendo-se às plataformas de mídia social, como Instagram e TikTok. Atualmente, é comum encontrar crianças apresentando produtos, exibindo brinquedos em canais do YouTube ou mostrando materiais escolares de marcas específicas durante a temporada de volta às aulas, muitas vezes por meio de publiposts. Essa prática destaca como a presença de crianças continua a deixar uma impressão significativa na cultura e sociedade contemporâneas.
Em resumo, com o advento das redes sociais, a ascensão das chamadas micro celebridades locais amplificou essa dinâmica, proporcionando às crianças oportunidades inéditas de visibilidade, ao mesmo tempo em que suscita questões éticas e legais sobre os limites da exposição infantil.
O próximo segmento deste artigo explorará os desafios e implicações do trabalho infantil artístico nas estratégias publicitárias contemporâneas, abordando preocupações cruciais relacionadas à exploração, proteção e regulamentação desse fenômeno em constante evolução.
Trabalho infantil artístico
É primordial reconhecer que as crianças possuem o direito de brincar e de se divertir, além disso, no seu desenvolver necessitam de vários estímulos como: emocionais, sociais, culturais, educacionais, motores, enfim, todo o arcabouço necessário para sua formação (Maciel, 2017).
Persiste, então, a indagação sobre se as participações midiáticas nas plataformas e redes sociais, mencionadas no tópico anterior, se enquadram no conceito de trabalho infantil artístico.
Assim, o trabalho infantil artístico refere-se à participação de crianças em atividades relacionadas ao campo artístico, como atuações em filmes, programas de televisão, comerciais, peças teatrais, modelagem, entre outros. Essas crianças desempenham papéis ou realizam atividades artísticas para entretenimento ou fins publicitários.
Assim, respondendo a pergunta anterior observa-se que as participações de crianças e adolescentes nas redes sociais, exibindo produtos, brinquedos ou realizando atividades para seus seguidores, podem ser consideradas formas contemporâneas de trabalho infantil artístico, embora essa categorização possa gerar debates significativos. Apesar de que essas atividades muitas vezes não envolvam o ambiente tradicional de filmes, programas de televisão ou peças teatrais, elas compartilham características similares, como a exposição pública das crianças para fins de entretenimento ou publicidade.
Dessa forma, a discussão sobre a adequação dessas práticas ao conceito de trabalho infantil artístico destaca a necessidade de pareceres mais robustos e regulamentações específicas para proteger os menores envolvidos. Estas avaliações devem considerar não apenas a natureza da exposição, mas também fatores como a carga horária, a pressão psicológica, o equilíbrio com a educação formal e a preservação do bem-estar infantojuvenil.
Sharenting e Sharenting Comercial
Para enriquecer este artigo, conforme mencionado na introdução, é relevante explorar o conceito de “Sharenting” e destacar suas convergências com a temática do trabalho infantil artístico.
Nesse sentido, Sharenting, é um termo derivado da combinação de “share” (compartilhar) e “parenting” (criação dos filhos), refere-se à prática frequente de pais ou responsáveis compartilharem nas redes sociais informações e imagens sobre a vida de seus filhos, desde atividades cotidianas até eventos significativos. Isso cria uma presença digital precoce para as crianças, documentando seu crescimento e experiências desde pequenos.
Já o Sharenting Comercial é uma ramificação do Sharenting em que os pais buscam ativamente explorar a imagem de seus filhos nas redes sociais com o objetivo de obter lucro. Nessa prática, a presença digital das crianças é estrategicamente utilizada para promover produtos, marcas e, por vezes, transformar os pequenos em figuras públicas, visando ganhos financeiros e reconhecimento.
Assim, a popularização precoce de uma criança por meio da exposição intensiva nas redes sociais, conforme descrito pelo conceito de Sharenting e Sharenting Comercial, estabelece uma correlação intrigante com o trabalho infantil artístico. Ao documentar e compartilhar de forma contínua a vida e as atividades das crianças, os pais muitas vezes inadvertidamente as colocam no centro da atenção pública.
Diante desse cenário, órgãos de proteção à infância e juventude, como o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), e entidades reguladoras como o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), devem estar atentos. É imperativo que sejam estabelecidos parâmetros éticos e legais para garantir que a exposição digital infantil não ultrapasse limites prejudiciais, protegendo o desenvolvimento saudável e os direitos das crianças envolvidas. A atuação desses órgãos torna-se essencial para evitar possíveis abusos e assegurar um equilíbrio adequado entre a liberdade de expressão e os cuidados com o bem-estar infantojuvenil.
Conclusão
Portanto, o trabalho infantil artístico vem se moldando na contemporaneidade e exige uma abordagem mais ampla para garantir a proteção e o bem-estar das crianças em diferentes contextos e localidades. É crucial reconhecer que o ambiente digital modificou as oportunidades para a participação das crianças na mídia e na expressão artística, mas também trouxe consigo desafios significativos em termos de privacidade, segurança e exploração comercial.
Nesse sentido, é importante que se estabeleçam diretrizes claras e regulamentações adequadas para orientar a participação infantil no mundo artístico e digital. Isso inclui a definição de limites éticos em relação à exposição pública, à publicidade direcionada e ao compartilhamento de informações pessoais. Além disso, é fundamental promover a conscientização entre os pais e responsáveis sobre os impactos potenciais dessas práticas na vida e no desenvolvimento das crianças.
Em última análise, o trabalho infantil artístico na era digital deve ser encarado como uma oportunidade para promover a criatividade, a diversidade e a participação dos menores na cultura contemporânea, ao mesmo tempo em que se garantem seus direitos e sua segurança. Isso requer um compromisso conjunto de todos os envolvidos – pais, profissionais da mídia, reguladores e sociedade em geral – para criar um ambiente que promova o desenvolvimento saudável e o bem-estar dos infantes em meio às complexidades do mundo digital.
*Fabrícia Freire é estudante de Direito pela PUC-GO (9º período). Bacharel em Comunicação Social-Publicidade e Propaganda pela UFG. Associada ao Instituto de Estudos Avançados em Direito (IEAD) desde 2023. Coordenadora do núcleo universitário do IEAD.
REFERÊNCIAS
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