A herança digital e seus impactos na era da informação

Laura Bernardo Cândido*

Com o avanço da tecnologia, os bens digitais que possuem valor pessoal, econômico e social ganharam maior relevância na sociedade, interferindo na vida legal das partes envolvidas. No entanto, surge a dúvida: bens digitais podem compor a herança?

A herança é definida como um todo unitário, englobando tanto o patrimônio material da pessoa falecida quanto o imaterial. Entre esses bens imateriais, destacam-se os bens digitais, que compõem a chamada herança digital.

Os bens digitais podem ser classificados pela presença de conteúdo econômico. Com conteúdo econômico, tem-se as criptomoedas, contas bancárias digitais, conteúdos adquiridos (como e-books e músicas) e direitos autorais de obras publicadas de forma digital.

Além disso, tem-se os bens digitais sem conteúdo econômico, compreendendo e-mails pessoais, contas em redes sociais, fotos e vídeos armazenados em nuvem que não possuem valor econômico direto.

Ainda, há bens digitais de conteúdo misto, englobando itens que podem ter valor econômico e pessoal ao mesmo tempo, como blogs monetizados, playlists comerciais ou canais de vídeos e redes sociais que geram receita publicitária.

Para fins sucessórios, no Brasil, ainda não há legislação específica a respeito do assunto. Contudo, os Tribunais pátrios têm entendido que bens digitais com valor econômico que podem ser armazenados virtualmente, constituem parte da herança. Nesse sentido, estes bens podem ser transmitidos aos herdeiros, inclusive se não estiverem disciplinados em testamento.

Todavia, bens digitais sem conteúdo econômico dependem de manifestação prévia do falecido para surtir efeitos sucessórios, uma vez que os direitos da personalidade são inerentes à pessoa humana, mesmo após o falecimento, e necessitam de proteção legal, já que são intransmissíveis.

Ademais, uma questão relevante no contexto da herança digital é o destino das redes sociais do falecido. Em relação às informações, contas e dados na internet, no momento do falecimento, não é possível designar uma pessoa como a detentora ou solicitar a exclusão da conta em testamento. Isso ocorre porque a relação jurídica entre o falecido e a plataforma é meramente contratual.

Além disso, pelo fato de a conta em rede social não possuir conteúdo patrimonial, ela é considerada intransmissível, constituindo um direito personalíssimo do usuário que a criou. Dessa forma, se a pessoa falecida não optou por apagar os dados ou transformar o perfil em memorial – opção dada por algumas plataformas – seus familiares não podem tomar posse da conta ou dos dados nela contidos.

Nesse sentido, o avanço da tecnologia e a crescente presença do patrimônio digital, traz à tona a necessidade de repensar as leis de sucessão para incluir e regulamentar a herança digital. No entanto, enquanto esses avanços não ocorrem, é fundamental que os indivíduos planejem sua sucessão digital com antecedência, utilizando o testamento para garantir que seus desejos sejam respeitados após seu falecimento, minimizando, assim, conflitos e assegurando que o legado digital do falecido seja tratado de acordo com sua vontade.

Na era da informação, os bens digitais tornaram-se uma parte integral e intrinsecamente ligada à vida privada e comercial dos indivíduos. Portanto, para evitar que esses ativos fiquem à mercê de processos judiciais complexos, a realização do testamento se apresenta como a solução mais eficaz, garantindo, portanto, que os seus bens digitais sejam devidamente administrados e destinados conforme a sua vontade.

*Laura Bernardo Cândido é advogada no GMPR Advogados.