A disputa de bem do executado no concurso de credores

Leonardo Sobral Moreira*

Não há compreensão da norma se o credor deve ter penhora anterior sobre bem executado que objetiva demandar em concurso singular. Questões como a obrigação de penhora para entrada no concurso (à exceção do credor com garantia real) concorrem com um grande retrocesso e insegurança jurídica nessa questão. Existe jurisprudência no Superior Tribunal de Justiça, inclusive, que autoriza o credor preferencial a habilitar seu crédito, independentemente de execução provida e penhora padronizada. Ou seja, nem mesmo os requisitos do concurso de credores encontram-se claros.

Diante da omissão legal, estabeleceu a discussão. Há doutrina que acredita que a solvência dos créditos privilegiados impedidos por credor concorrente não depende do exame de prévia penhora, devendo a divisão do montante bloqueado ser procedida de forma proporcional ao valor do crédito.

Por outro lado, há doutrinadores que sustentam que, para concorrer ao concurso singular, é obrigatório que o credor já tenha em trâmite a ação de execução na qual o bem alienado tenha sido penhorado. Não é suficiente que o executado seja, ao mesmo tempo, devedor de mais de um credor, sem que haja uma execução em curso, assim como dispõe os artigos 797 e 905, ambos do CPC.

Compulsando-se as normas, em primeiro momento observa-se que a preferência da anterioridade da penhora é condicional e eventual, uma vez que atua em perfeição quando dois ou mais credores quirografários (cuja preferência é originária de direito material) concorrerem ao montante penhorado, ou ao produto da alienação judicial de bem. Dessa forma, além da solvência do executado (pressuposto geral ao concurso de credores) para ser totalmente eficaz, não pode existir credor oponente com título legal à preferência. Nessa conexão, a legislação processual civil é condizente com normas que interlaçam, em conformidade.

A penhora, como ato de invasão do Poder Judiciário no âmbito jurídico do executado, é requisito prévio e obrigatório à expropriação do patrimônio. Constitui pressuposto para os atos em sequência (expropriação e satisfação), não se permitindo nenhum atalho. Não existindo título legal à preferência, a anterioridade da penhora há de conceder ao credor previdente, que em primeiro lugar levou a efeito o ato de constrição do bem, preferência sobre a penhora posteriormente realizada.

Ademais, no que diz respeito ao reconhecimento do privilégio do crédito sobre demais credores, a jurisprudência vem entendendo que, estabelecido o concurso entre credores de um mesmo grau, para que seja definida a preferência, o que vale é a ordem cronológica das penhoras.

Além disso, faz-se tumulto com o concurso universal, onde a par conditio creditorum (princípio fundamental do direito falimentar), os credores de mesma classe devem concorrer em igualdade de condições ao embolso do valor rematado na falência. Tal princípio, que se pratica na execução concursal ou coletiva, existe para impedir que sejam contemplados credores que primeiro exigirem seu crédito, o que não constitui um critério propício de diferenciação entre indivíduos em igualdade de situação jurídica.

No concurso singular, tem-se o princípio prior in tempore, potior in jure (primeiro no tempo, primeiro no direito), ou seja, o princípio da ordem das vinculações da penhora. O credor que penhorou em primeiro lugar recebe o crédito antes do credor que penhorou em segundo, e assim continuamente. Quanto ao direito de preferência, a legislação processual civil institui que a preferência é por tempo da penhora: aquele que penhorou antes tem a preferência, não implicando as datas de ajuizamento das execuções. Assim, só há concurso de credores quando há sincronia de penhora, ou seja, quando os credores penhoram o mesmo bem. Por isso, é permitido o ingresso ao confronto somente àqueles que penhoraram o bem; não fosse assim, não haveria desarmonia entre o sistema coletivo e o individual.

 

Sua abrangência não é reduzida à preferência, uma reanálise mais profunda parte de um pressuposto processual: a ocorrência de várias penhoras sobre um mesmo bem não influencia o concurso universal de credores, cuja abertura presume a insolvência do devedor. A penhora é fato jurídico sine qua non da expropriação, logo, não existiria essa se não fosse realizada aquela.

 

Outra forma de contribuição se deve ao fato de que, no concurso especial, a cognição restringe-se somente sobre o direito de preferência e a prévia penhora, nos termos do art. 909, do CPC. Não há, portanto, razão para desobrigar a proposição de execução e a exploração de penhora ao credor privilegiado. Isso porque nem sequer poderá ser refutado, uma vez que a cognição é restringida no concurso singular.

 

Ao ajustar a penhora como quesito, surge uma dupla organização de controle do crédito: pelo juízo penhorante, o qual examina a saúde do título e sua exigibilidade, e pelo executado, que pode contestar mediante embargos à execução ou impugnação. Além do mais, a existência do devedor pode garantir a salubridade do concurso especial e a desnecessidade de futura ação entre credores para debate de omissão na ordem do embolso do produto da expropriação, cabendo-lhe acautelar o juízo a respeito da inevitável convocação de outros credores que, igualmente, penhoraram o bem em conflito. Apartam-se, assim, oportunistas que se dizem credores sem que o sejam, principalmente, levando considerando o que dispõe o art. 909, do CPC.

Sob a ótica do exequente, ao ajuizar uma execução, considera-se fatores como o custo, o prazo de tramitação, o valor do crédito e a solvibilidade do executado em relação a quitação do montante exequendo. A marcha processual se torna uma via crucis em meio ao obscuro de absolutas incertezas e, portanto, insegurança jurídica.

Nesse ínterim, formalizadas as penhoras sucessivas, cada processo executivo segue até a expropriação do bem, residindo aí a insegurança jurídica. A falta de sistematização contribui para a liberação do produto arrecadado a quem não de direito.

Portanto, a presunção de insolvência no concurso especial está relacionada ao conflito sobre um certo bem. Não há razão para o credor dizer a quem pertence a prioridade na adjudicação ou, então, o produto da alienação forçada do bem, se existir outros bens que pertençam ao patrimônio do devedor e, por conseguinte, garantam as execuções.

Por fim, em relação aos créditos tributários, o STJ decidiu que ele deve ser satisfeito, em concurso singular, independentemente de execução fiscal ajuizada ou muito menos penhora sobre o bem do devedor, bastando que o crédito disponibilizado seja certo, líquido e exigível. Contudo, para o recebimento do montante decorrente da expropriação do bem objeto de penhora na execução ajuizada por terceiro, a Fazenda Pública tem que instaurar execução fiscal; enquanto não iniciada, há a reserva do crédito na execução onde o dinheiro foi discutido.

*Leonardo Sobral Moreira é advogado, atuante na área de Direito do Consumidor, Civil e Processual Civil no escritório Denerson Rosa Sociedade de Advogados. Coordenador do Núcleo de Processo Civil do Instituto de Estudos Avançados em Direito. E-mail para contato: leosobral11@gmail.com. Leonardo está no Instagram como @_leonardosobral.