Sucumbência recíproca: critérios da distribuição do ônus sucumbencial na jurisprudência

Cícero Goulart*

A distribuição do ônus sucumbencial é um dos aspectos mais relevantes do Direito Processual Civil, pois define a responsabilidade pelas custas e honorários advocatícios ao final da demanda. A jurisprudência tem estabelecido critérios claros para sua aplicação, levando em consideração a quantidade de pedidos formulados e o grau de sucesso de cada parte no processo.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem reiterado que a distribuição dos ônus sucumbenciais está diretamente relacionada ao número de pretensões formuladas na ação e ao decaimento proporcional das partes processuais em relação a cada pleito. Segundo o entendimento consolidado, deve haver proporcionalidade entre o quantitativo reivindicado e a abrangência do acolhimento de cada pedido (STJ – AgInt no AREsp: 1983586 MT 2021/0290321-8, J.: 30/05/2022, T4, Publ.: DJe 24/06/2022).

O Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), assim como os demais tribunais do país, tem adotado essa lógica, ao estabelecer que a sucumbência recíproca deve ser definida pela quantidade e proporção de pedidos deferidos e indeferidos, sempre à luz do princípio da causalidade:

“Para a aferição quanto à sucumbência de parte mínima do pedido, o juiz levará em consideração o valor da causa e o que conseguiu efetivamente a outra parte, observando-se, ainda, a quantidade de pedidos requeridos na demanda e, proporcionalmente, em quantos pedidos foi vencido” (TJ-GO 0079125-02.2016.8.09.0011, Rel. Desembargador Carlos Hipólito Escher, 4ª Câmara Cível, DJe 10/08/2023).

O Princípio da Causalidade estabelece que a parte que deu causa à ação, ao incidente processual, à reconvenção ou ao pedido contraposto, deve suportar os custos do processo.

“O princípio da causalidade orienta que a sucumbência ficará a cargo daquele que deu causa à instauração da demanda ou do incidente” (TJ-GO – Apelação Cível: 5399079-67.2022.8.09.0138, Rel. Des. José Carlos de Oliveira, 2ª Câmara Cível).

Em outras palavras, tanto o Princípio da Proporcionalidade quanto o da Causalidade são essenciais para a definição judicial de imputação total ou parcial do ônus sucumbencial, nos casos de procedência parcial dos pedidos, conforme o art. 86 do Código de Processo Civil Brasileiro.

Art. 86. Se cada litigante for, em parte, vencedor e vencido, serão proporcionalmente distribuídas entre eles as despesas.

Parágrafo único. Se um litigante sucumbir em parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro, pelas despesas e pelos honorários

Dessa forma, estar em dúvida quanto ao que pedir — seja o objeto em si ou sua extensão —, pedir de forma equivocada ou pleitear mais do que o devido no processo pode trazer consequências indesejadas ao jurisdicionado (cliente contratante), mesmo em caso de vitória, e também ao procurador constituído nos autos: o(a) nobre colega advogado(a).

Se uma parte ajuizar ação de forma insegura, sabedora de que não há fundamento legal ou adotar comportamento que leve ao prolongamento indevido do processo, poderá ser condenada ao pagamento integral das custas processuais. É o que se verifica do aresto 0380497-61.2016.8.09.0091, do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás:

“Impõe-se o afastamento da condenação dos apelantes ao pagamento dos ônus sucumbenciais, considerando que não deram causa ao ajuizamento da ação” (Rel. Des. William Costa Mello, 1ª Câmara Cível, Publicação: 13/06/2024).

Na visão dos tribunais, a sucumbência é quantitativa, proporcional e voltada à identificação da parte que deu causa à formação ou repercussão do litígio.

Cabe ressaltar que, por se tratar de questão de ordem pública, o arbitramento do ônus sucumbencial ou a revisão de sua (re)distribuição podem ser realizados de ofício pelo magistrado, independentemente de pedido expresso das partes. Esse entendimento decorre do poder-dever do juiz de garantir a correta aplicação das normas processuais e deve constar da sentença judicial, ainda que não haja pedido formal de condenação sucumbencial no processo na inicial ou em contestação, pois é um consectário lógico de seu julgamento (TJ-GO – AC: 5342963-45.2021.8.09.0051, Rel. Des. Jairo Ferreira Junior).

Por fim, os(as) colegas advogados(as) devem redobrar a atenção no momento da formulação dos pedidos e da causa de pedir, especialmente na petição inicial, a fim de garantir a correta distribuição do ônus sucumbencial dos títulos judiciais ou, caso necessário, estar plenamente seguros e fundamentados para requerer a revisão da imputação, conforme os critérios delineados na jurisprudência brasileira, seja no juízo sentenciante ou em grau de recurso.

Assim, desde a fase inicial de elaboração do caso, é fundamental construir uma estratégia processual que minimize o risco de sucumbência, buscando um cenário favorável para a redução do impacto do decaimento dos pedidos. A consulta prévia à jurisprudência local é indispensável para embasar a formulação dos requerimentos e orientar a melhor abordagem processual.

Além disso, uma atuação planejada permite ao(à) advogado(a) não apenas mitigar os efeitos de eventual insucesso parcial, mas também sustentar a atribuição integral da sucumbência à parte adversa, mesmo diante da multiplicidade de entendimentos nos tribunais, que contribuem para a constante instabilidade jurídica no país.

*Cícero Goulart é sócio fundador da Goulart Advocacia, advogado especialista em Direito Constitucional e Processual Civil e conselheiro da OAB/GO.