Sued Araújo Lima*
A fixação de honorários em 50% pode, de fato, ser uma armadilha que coloca o advogado em uma posição vulnerável, suscetível a representações éticas-disciplinares.
Isso porque, na adoção de quota litis, o Código de Ética e Disciplina, em seu art. 50, leciona que os valores recebidos pelo advogado, somados aos honorários de sucumbência, não podem ser superiores às vantagens advindas a favor do cliente.
Portanto, o presente artigo tem como objetivo esclarecer a legalidade dos honorários advocatícios contratuais fixados em 50%, especialmente sob a perspectiva da advocacia previdenciária.
O Código de Ética e Disciplina: Um Alerta Vermelho
Como visto, o artigo 50 do Código de Ética e Disciplina estabelece que os honorários recebidos pelo advogado, somados aos honorários de sucumbência, não podem ultrapassar as vantagens obtidas pelo cliente:
Art. 50. Na hipótese da adoção de cláusula quota litis, os honorários devem ser necessariamente representados por pecúnia e, quando acrescidos dos honorários da sucumbência, não podem ser superiores às vantagens advindas a favor do cliente.
Desse modo, ao fixar honorários contratuais em 50%, o advogado corre o sério risco de infringir o preceito ético em questão, pois em casos de parcelas vencidas, é certo que a soma dos honorários sucumbenciais e contratuais supera o valor a ser recebido pelo cliente.
Inclusive, no Juizado Especial Federal da Subseção Judiciária de Formosa/GO, tratando-se de contratos de honorários advocatícios com adoção de cláusula quota litis em ações previdenciárias, foi estabelecido o limite de 30% das parcelas vencidas ou atrasadas, conforme processo n° 0001637-17.2016.4.01 .3506.4.01.3506 da 1ª Vara da referida Subseção.
Sendo assim, o advogado que não observar essas regras está, portanto, à mercê de um processo ético-disciplinar que pode culminar em sanções.
A Dualidade da Prática
No entanto, é cediço que na advocacia previdenciária, o êxito da demanda não deve levar em consideração tão somente as parcelas vencidas ou atrasadas a serem recebidas após o trânsito e julgado da sentença.
Dessa maneira, o Conselho Federal da OAB possui julgados que estabelecem distinções entre as situações, especialmente em processos em que o benefício concedido é de natureza vitalícia ou de prestação continuada.
Precedentes do Conselho Federal da OAB
Os precedentes do Conselho Federal da OAB entendem pela legalidade da referida prática tão somente quando se tratar de benefícios de natureza vitalícia ou prestação continuada:
Recurso n. 16.0000.2023.000016-7/SCA-TTU.(MA). EMENTA N. 034/2024/SCA-TTU. Recurso ao Conselho Federal da OAB. Violação ao artigo 50 do Código de Ética e Disciplina. Ausência de materialidade. Atipicidade da conduta sob o enfoque disciplinar. Honorários advocatícios pactuados na modalidade quota litis, incidentes sobre os atrasados e as parcelas vencidas no curso da demanda. Inexistência de percepção de honorários superiores às vantagens advindas a favor de cliente. Advocacia previdenciária. INSS. Benefício de prestação continuada, de natureza vitalícia. Precedente do Órgão Especial deste CFOAB no sentido de que, em sendo o benefício previdenciário vitalício e de prestação continuada, a fixação de honorários incidentes sobre as parcelas vencidas e atrasadas, não configura abusividade, porquanto não resulta vantagem econômica superior à do cliente. Recurso provido, para julgar improcedente a representação. […] Brasília, 27 de fevereiro de 2024. Daniel Blume, Presidente em exercício e Relator. (DEOAB, a. 6, n. 1308, 11.03.2024, p. 7).
Até mesmo nas oportunidades em que os honorários contratuais foram fixados em 50% (cinquenta por cento), o Conselho Federal entendeu pela atipicidade da conduta:
Recurso n. 09.0000.2021.000041-0/SCA-TTU. (AP). EMENTA N. 074/2022/SCA-TTU. […] Precedentes deste Conselho Federal da OAB no sentido de que se admite a previsão de honorários advocatícios em percentual de 50% dos valores referentes às parcelas vencidas e atrasadas do benefício previdenciário, quando se tratar de celebração do contrato com reconhecida cláusula de êxito, caso dos autos, observada a capacidade das partes e a boa-fé contratual, e quando a vantagem econômica obtida em favor do cliente se constitui em benefício de prestação continuada.
No mesmo julgado, tem-se o motivo pelo qual, em benefícios de prestação continuada ou vitalícios, inexistirá infração ética-disciplinar na cobrança de 50% sobre os atrasados:
Precedente do Órgão Especial do Conselho Pleno deste Conselho Federal da OAB, no sentido de que haverá a impossibilidade de o advogado receber quantia e/ou vantagem econômica superior ao cliente na hipótese em que houver a cobrança de 50% sobre os atrasados, em processo no qual se discuta e reste implementado benefício previdenciário de prestação continuada, vitalícia. Recurso provido, para julgar improcedente a representação. […] Brasília, 20 de setembro de 2022. Milena da Gama Fernandes Canto, Presidente. Sinya Simone Gurgel Juarez, Relatora. (DEOAB, a. 4, n. 949, 29.09.2022, p. 41).
Assim, considerando que o cliente receberá o benefício de forma continuada ou vitalícia, inexiste a possibilidade do advogado, ainda que cobrando 50% sobre os valores atrasados, receba vantagem superior a ser percebida pelo cliente.
Contudo, nos demais casos, o mesmo Conselho entende que a prática configura locupletamento:
Recurso n. 49.0000.2018.012947-9/SCA-STU. Recorrente: G.A.S.J. (Advogado: Geraldo Augusto de Souza Junior OAB/SP 126.870). Recorridas: Maria de Fátima da Silva e Marcia Regina Marciano Florêncio. Interessado: Conselho Seccional da OAB/São Paulo. Relator: Conselheiro Federal David Soares da Costa Junior (GO). EMENTA N. 003/2022/SCA-STU. […] . Fixação de honorários advocatícios de 50%. Precedentes no sentido de que tal percentual configura locupletamento. Violação à liberdade para contratar e à boa-fé contratual. Clientes que são pessoas simples, de baixa escolaridade. Punição disciplinar que não se agrava dada à vedação à reformatio in pejus. Recurso não provido. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros da Segunda Turma da Segunda Câmara do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, observado o quorum exigido no art. 92 do Regulamento Geral, por unanimidade, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Brasília, 14 de março de 2022. Emerson Luis Delgado Gomes, Presidente. David Soares da Costa Junior, Relator. (DEOAB, a. 4, n. 817, 23.03.2022, p. 16)
Nesse contexto, embora existam precedentes que aceitam a prática de honorários de 50% em casos de benefícios vitalícios ou de prestação continuada, isso não deve servir como um salvo-conduto.
Portanto, não restam dúvidas que a referida prática pode configurar infração ética-disciplinar, sobretudo quando não cumpridos os parâmetros estabelecidos pelo Conselho Federal.
Conclusão
Como visto, a fixação de honorários de 50% pode resultar em valores que superem as vantagens obtidas pelo cliente, especialmente no caso de parcelas vencidas.
Entretanto, o Código de Ética e Disciplina é claro ao proibir que os honorários contratuais, somados aos de sucumbência, ultrapassem o benefício que o cliente recebe.
A exceção consiste na construção jurisprudencial do Conselho Federal, que aceita a prática em situações que envolvem benefícios vitalícios ou de prestação continuada.
De todo modo, enquanto a possibilidade de fixação de honorários de 50% é reconhecida em certos contextos, é necessário que os advogados estejam cientes das implicações éticas da prática.
Portanto, a transparência e o respeito aos direitos dos clientes devem ser sempre priorizados, a fim de preservar a dignidade da profissão e a confiança na advocacia.
*Sued Araújo Lima é graduado em Direito pela PUC/GO, sócio do escritório Merola & Ribas Advogados, Especialista em Direito Público pelo Instituto Goiano de Direito. Foi Assessor da Presidência do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/GO.