A abusividade e ilegalidade no cancelamento do plano de saúde de pessoas autistas

Izabella Machado*

Frequentemente, são noticiados casos em que beneficiários de planos de saúde são notificados acerca do desinteresse das operadoras em manterem seus contratos ativos. Também não são raras as vezes em que a notificação sequer expõe os motivos que ensejaram o interesse da operadora na rescisão do contrato, situação que causa estranheza aos beneficiários acerca da legalidade ou não daquela conduta.

Em relação aos autistas a situação é ainda mais delicada, pois a interrupção abrupta dos tratamentos de saúde, que, muitas vezes, são realizados por uma gama de profissionais (psicólogos, psiquiatras, fonoaudiólogas, terapeutas ocupacionais etc.) pode trazer prejuízos irreversíveis ao quadro clínico daquele beneficiário.

Inicialmente, é preciso se atentar ao modelo da contratação. A Lei: 9656/98 (Lei dos Planos de Saúde – LPS) prevê que existem três modalidades de planos de saúde, sendo elas: individual ou familiar; coletivo empresarial e coletivo por adesão.

Em relação aos planos individuais ou familiares, o art. 13 da LPS veda a rescisão unilateral/imotivada do plano, por iniciativa da operadora. Nesse tipo de contrato, portanto, só é possível a rescisão se o beneficiário estiver inadimplente ou incorrer em fraude.

Os planos coletivos, por sua vez, possuem uma maior liberdade para a rescisão unilateral, mas precisam obedecer a algumas premissas dispostas no art. 17 da Resolução Normativa DC/ANS 195/09, que são: a) o contrato conter cláusula expressa prevendo a possibilidade de rescisão unilateral; b) o contrato estar vigente por período de, pelo menos, 12 (doze) meses e c) tenha tido uma notificação da rescisão com antecedência mínima de 60 (sessenta) dias.

Além disso, se o beneficiário estiver em tratamento médico contínuo e essencial para assegurar sua sobrevivência ou a preservar sua incolumidade física e/ou psíquica também é vedado o cancelamento unilateral do plano de saúde.

O autismo se enquadra justamente nesse conceito de tratamento médico contínuo e essencial, de modo que a interrupção do tratamento certamente implicará prejuízos, no tocante às habilidades de comunicação, interação social e autonomia funcional.

Assim, as operadoras de planos de saúde, cujo beneficiários são pessoas autistas em tratamento, não podem cancelar unilateralmente os contratos, de forma que as contratações devem ser mantidas até a efetiva alta do paciente. O beneficiário, em contrapartida, deve arcar com o pagamento das mensalidades futuras, nos moldes contratados.

A insistência nessa prática, por parte das operadoras dos planos de saúde, é questionável e repreensível, pois colide com direitos fundamentais dos usuários, haja vista que experimentam aflições, riscos à vida, saúde e bem-estar.

*Izabella Machado é advogada inscrita na OAB/GO, membro da Comissão de Direito do Consumidor da OAB/GO, especialista em direito do consumidor e direito da saúde, sócia do escritório Lacerda e Machado Advogados Associados.