É preciso falar sobre a valoração racional da prova no processo penal

O Recurso Especial nº 2042215 – PE, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça [1], trouxe à tona questões importantes sobre a valoração racional da prova e a necessidade de revisão criminal em casos de possíveis erros judiciais. O recorrente, Marcos Luidson de Araújo, buscava reverter uma condenação por incêndio que, segundo ele, foi fundamentada em provas insuficientes e testemunhos duvidosos. Inicialmente relatado pelo Ministro Sebastião Reis Júnior, que não conhecida do recurso especial ao argumento de óbice da Súmula 7, abriu divergência o Ministro Rogério Schietti Cruz, que destacou a importância de uma análise criteriosa das evidências apresentadas no processo.

A defesa de Marcos Luidson de Araújo argumentou que a sentença condenatória contrariou a evidência dos autos e se baseou em depoimentos comprovadamente falsos. O recorrente alegou que os testemunhos utilizados para sua condenação eram de pessoas com interesses conflitantes e que não possuíam confiabilidade epistêmica. Além disso, destacou a existência de provas documentais e testemunhais que confirmavam sua ausência no local dos crimes no momento dos acontecimentos.

Ao analisar o recurso, o Ministro Rogério Schietti Cruz enfatizou a necessidade de uma valoração racional e metodológica das provas, conforme os ensinamentos de Jordi Ferrer-Beltrán. Beltrán defende que a valoração das provas deve ser realizada de forma individual e conjunta, garantindo que as decisões judiciais sejam fundamentadas em evidências sólidas e confiáveis. A metavaloração, ou seja, a revaloração das inferências probatórias realizadas pelo juiz de primeira instância, foi apontada como essencial para corrigir possíveis erros judiciários.

O Ministro Schietti Cruz destacou que a condenação do recorrente se baseou em uma análise inadequada das provas. O juiz de primeira instância teria desconsiderado testemunhos e documentos que demonstravam a inocência do acusado ou que levantavam dúvidas razoáveis sobre sua participação nos crimes. Além disso, depoimentos de desafetos do recorrente foram aceitos sem a devida corroboração, o que comprometeu a justiça da decisão.

A decisão do Ministro enfatizou a importância da racionalidade teleológica na valoração da prova. Segundo ele, é necessário avaliar a adequação dos meios aos fins na busca da verdade no processo judicial. A condenação de Marcos Luidson de Araújo, conforme o voto do Ministro Schietti Cruz, não estava logicamente autorizada pelas provas disponíveis e, portanto, não poderia ser mantida.

Ao final, o Ministro Rogério Schietti Cruz decidiu pelo provimento do recurso especial, reconhecendo que a condenação de Marcos Luidson de Araújo foi baseada em provas insuficientes e em uma análise probatória inadequada. Ele reforçou que, diante da dúvida razoável sobre a autoria delitiva, o processo penal impõe a obrigação de absolver o réu, conforme os princípios do devido processo legal e da presunção de inocência.

A maioria dos Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça acompanhou o voto do Ministro Schietti Cruz, resultando na absolvição de Marcos Luidson de Araújo. Esta decisão reafirma a importância da revisão criminal como um instrumento essencial para a correção de erros judiciários e para garantir que as decisões judiciais sejam justas e baseadas em uma valoração racional e metodológica das provas.

O caso do RESP 2042215-PE destaca a relevância de se adotar uma abordagem rigorosa e racional na valoração das provas, seguindo os princípios defendidos por estudiosos como Jordi Ferrer-Beltrán. A decisão serve como um importante precedente para futuras revisões criminais, assegurando que o sistema de justiça penal continue a buscar a verdade e a justiça em todas as suas decisões. O resultado também revela a importância de o advogado estar ambientado com os principais avanços no campo do direito probatório.

[1] Segundo se extrai do acordão, “Esse entendimento pode ser encontrado no livro mais recente de Ferrer-Beltrán, ‘Prueba sin convicción: estándares de prueba y debido proceso’: ‘O momento da valoração da prova se inicia quando as provas já foram praticadas e, para dizê-lo graficamente, o processo está pronto para a sentença (ou para a adoção da decisão intermediária de que se trate). Nele, o julgador dos fatos (juiz ou jurado) deverá valorar a prova individual e conjuntamente. A valoração individual é um passo prévio e imprescindível para a valoração em conjunto, e consiste na análise da confiabilidade de cada uma das provas, tomadas isoladamente e também em relação umas com as outras, como podem ser as provas sobre a prova. A valoração em conjunto, por sua parte, põe as provas em relação com as distintas hipóteses sobre os fatos e permitirá concluir que grau de corroboração aquelas aportam a cada uma dessas’ (FERRER-BELTRÁN, Jordi. Prueba sin convicción: estándares de prueba y debido proceso. Madrid: Marcial Pons, 2021, p. 23, trad. livre).”