A mediação no centro dos conflitos ambientais

Daniel Secches e Camila Linhares*

Quando se fala em danos ambientais, é natural que a ideia remeta a desastres de grande proporção, como rompimento de barragens, destruição de uma área de preservação, contaminação de rios e até de parte do oceano, desmatamento de grandes áreas florestais, etc. Tragédias assim atraem o interesse da mídia na mesma velocidade com que dizimam vidas presentes pelo caminho. São casos, portanto, que em tese já têm apelo suficiente para provocar na sociedade um debate público a respeito da maneira com que o homem trata o meio ambiente.

Mas nem todo dano ambiental é necessariamente de grande proporção, o que também não tira sua relevância. O impacto que uma indústria é capaz de provocar numa pequena comunidade – ainda que seja um vilarejo, por exemplo – causa, no mínimo, conflitos que afetam aquela população. E apesar de não oferecer a mesma visibilidade de outros eventos ambientais, também merecem uma reflexão e um cuidado com as pessoas afetadas. Muitas vezes, isso só ocorre depois de alguns anos de disputas judiciais entre vítimas e empresas responsáveis pelo desastre.

É o caso dos rompimentos das barragens de mineração em Mariana, em 2015, e em Brumadinho, há quatro anos, que resultaram na contaminação da água do Rio Doce e de afluentes, afetando dezenas de municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo. Mas nem sempre essa responsabilização é tangível. É o caso da tragédia que ainda assola o Rio Grande do Sul, onde os eventos climáticos tiveram participação direta nas cheias.

Faz sentido, então, falar de mediação de conflitos quando não há uma pessoa jurídica que responda pela catástrofe? Não apenas faz, como podemos reforçar que a mediação pode ter papel central na recuperação da vida daquelas pessoas. A solução consensual, na esfera ambiental, serve para reparar não apenas os danos ecológicos ou às vítimas, mas também para prevenir contra outros transtornos semelhantes no futuro e ainda para viabilizar soluções que assegurem a proteção ambiental.

Essa prerrogativa é contemplada pela Lei de Mediação, como é chamada a lei 13.140/15, que estende seus braços de atuação não somente em circunstâncias entre particulares como também nas searas que dizem respeito ao direito coletivo, ou seja, aos casos que despertam o interesse social. Este campo também envolve os conflitos que têm o direito ambiental como pano de fundo.

No caso do Rio Grande do Sul, a mediação tende a ser objeto semelhante ao que representou após as tragédias em Minas. Muitas famílias que viviam em localidades inapropriadas precisarão ser reassentadas em novas localidades. Isso inevitavelmente vai impactar na urbanização de diversas cidades e trará efeitos diretos sobre o funcionamento de prédios e patrimônios públicos. Escolas e postos de saúde também poderão ter de migrar para outros pontos. Alguns municípios e vilarejos terão de ser quase que integralmente reconstruídos, numa perspectiva bem diferente do que foi antes da tragédia.

Mas essas decisões não devem ser impostas. A população é vítima da tragédia ambiental; não cúmplice. Por isso, será necessário ter um diálogo bastante humanizado com todas elas, para que qualquer decisão seja minimamente traumática – até mais do que já foi. O caminho mais adequado a se tomar pelo poder público é aproximar-se das pessoas e buscar soluções que sejam construídas entre as diferentes partes afetadas. Judicialmente, isso será moroso, desgastante e insatisfatório para algum dos lados.

O papel dos mecanismos extrajudiciais vão, portanto, além de tomadas de decisões de cima para baixo. O ideal é que haja uma união de forças, uma sintonia por meio da qual todos sejam co-construtores de um futuro ainda incerto para o povo do Rio Grande do Sul. Mais uma vez, é necessário ressaltar o quanto a mediação coloca todos os seus atores como protagonistas. E, juntos, todos ganham um mesmo poder de ter voz. Este é um alento em meio à tragédia. A história mostra que os gaúchos sabem muito bem encontrar novas direções quando se unem.

*Camila Linhares e Daniel Secches são advogados e sócios da Unniversa Soluções de Conflitos – contato@unniversamultiportas.com.br