A “dama do tráfico” tinha direito de visitar o Ministério da Justiça?

David Soares*

A recente revelação de que Luciane Barbosa Farias, esposa de um dos líderes do Comando Vermelho no Amazonas, foi recebida por secretários e diretores do Ministério da Justiça entre março e maio de 2023, causou uma grande repercussão na mídia e na sociedade.

Luciane, que é presidente de uma ONG que atua em favor dos presos ligados à facção criminosa, levou ao Ministério da Justiça denúncias de violações de direitos humanos no sistema prisional amazonense, além de um dossiê sobre as empresas que administram as prisões do estado.

A visita da “dama do tráfico” ao Ministério da Justiça gerou questionamentos sobre a legitimidade e a credibilidade das denúncias, bem como sobre a responsabilidade e a transparência do órgão federal.

Na posição de presidente da Associação Nacional da Advocacia Criminal em Goiás (Anacrim-GO), eu reconheço que a situação é complexa e delicada, e que envolve aspectos jurídicos, éticos e políticos.

No entanto, eu também defendo que, apesar de todas as controvérsias, Luciane Barbosa Farias tinha o direito, como cidadã, de levar as denúncias de violações de direitos humanos no sistema prisional amazonense ao Ministério da Justiça.

Esse direito está previsto na Constituição Federal, que garante a todos os brasileiros a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, bem como o acesso à justiça e aos órgãos públicos.

Além disso, o Brasil é signatário de tratados internacionais que protegem os direitos humanos, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

Esses tratados estabelecem que toda pessoa tem o direito de denunciar atos de tortura, maus-tratos, discriminação e outras formas de violência que atentem contra a dignidade humana, especialmente quando esses atos são praticados por agentes do Estado.

Portanto, independentemente da origem, da motivação ou da veracidade das denúncias de Luciane Barbosa Farias, elas deveriam ser recebidas, analisadas e investigadas pelo Ministério da Justiça, que tem o dever de zelar pelo cumprimento da lei e pela proteção dos direitos humanos no país.

Não se trata de defender ou de apoiar a “dama do tráfico” ou a facção criminosa a que ela está ligada, mas de reconhecer que ela, como qualquer outra pessoa, tem o direito de denunciar violações de direitos humanos, e que o Ministério da Justiça tem a obrigação de apurar essas denúncias.

Ignorar ou desqualificar as denúncias de Luciane Barbosa Farias seria uma forma de violar o seu direito de acesso à justiça e aos órgãos públicos, bem como de negligenciar a situação dos presos no sistema prisional amazonense, que pode estar sujeito a graves violações de direitos humanos.

É claro que a visita da “dama do tráfico” ao Ministério da Justiça também levanta questões sobre a ética, a transparência e a eficiência do órgão federal. É preciso esclarecer como Luciane Barbosa Farias conseguiu ser recebida por secretários e diretores do Ministério da Justiça, quais foram os critérios e os procedimentos adotados para isso, e se houve algum tipo de favorecimento ou de influência política.

É preciso também verificar se a ONG da qual Luciane é presidente tem alguma regularidade jurídica, se ela recebe recursos públicos ou privados, e se ela presta contas de suas atividades. É preciso ainda avaliar se as denúncias de Luciane têm fundamento, se elas foram encaminhadas para os órgãos competentes, e se elas resultaram em alguma medida concreta para melhorar as condições dos presos no sistema prisional amazonense. Essas são questões que devem ser respondidas pelo Ministério da Justiça, que deve prestar contas à sociedade e aos órgãos de controle sobre a sua atuação.

Recomendo cautela em relação ao sensacionalismo midiático e ao frenesi das redes sociais.

*David Soares é conselheiro federal da OAB-GO e presidente da Associação Nacional da Advocacia Criminal em Goiás (Anacrim-GO).