O Código Civil e os príncipes

Patrícia Carrijo*

Que bom haver mais de um príncipe na literatura. Sendo personagem ou título, o mais importante é que se absorva de seu conteúdo o essencial — que, como dito, pelo pequeno, na obra de Antoine de Saint-Exupéry — “é invisível aos olhos”. Na interpretação e análise aprofundada, é onde se colhem os ensinamentos.

Essa é a tarefa que 34 juristas — nos quais eu me incluo como operadora do Direito, vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego) — para modernizar o Código Civil (CC) brasileiro (Lei nº 10.406, de 2002). Para a lida, foi criada no Senado Federal, no fim de agosto, uma comissão de juristas para propor a atualização do CC. Ela é composta, ainda, por quatro ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), desembargadores de cortes estaduais, juízes, advogados e professores, de todas as partes do país. Em seis meses, será apresentado um anteprojeto de lei.

Até os dias de hoje, a atual lei é tratada como Novo Código Civil, e seu texto foi sancionado em 2002 para vigorar em 2003. Desnecessário dizer que desde então houve várias, significativas e transformadoras mudanças nas relações humanas e humanas com o digital. Também de Exupéry: “Para enxergar claro, basta mudar a direção do olhar”. Indicaremos essa nova direção.

Num outro Príncipe, este nome da obra, Maquiavel ensina a quem lê-lo que “uma mudança deixa sempre patamares para uma nova mudança”. E ela se faz necessária. Na aplicação dos atuais 2.046 artigos do CC, existem dificuldades de se decidir por analogia, interpretação extensiva ou analógica. Para o anteprojeto de lei, vamos analisar artigo por artigo e pesquisar para atualizá-los ou não, de acordo com as jurisprudências, súmulas e demais normas produzidas pelo sistema de Justiça, que são consonantes e o reflexo das soluções provenientes dos conflitos sociais.

E, também, trazer para o nosso tempo e espaço a nova redação, sempre respeitando os princípios do Direito, para evitar ao máximo lacunas de interpretação, seja por ambiguidade ou falta de especificidades técnicas do texto.

O objetivo é tornar a lei ainda mais clara, embora o atual Código tenha significado grande avanço em sua atualização de 2002. As resoluções dos conflitos sociais ensejam normas em acordo com os atuais valores éticos e sociais, num ambiente de maiores exposições do indivíduo e de extrema revelação das diversidades.

Longe dos príncipes, o de Lyon e o de Florença, Henry David Thoreau nos guiará, com uma de suas máximas na obra A Vida nos Bosques: “Se um homem marcha com um passo diferente do de seus companheiros, é porque ouve outro tambor”. É nesse sentido que vamos produzir um texto com plena abrangência hermenêutica, a fim de os conflitos serem resolvidos sem delonga e périplo por instâncias.

*Patrícia Carrijo é juíza, presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego) e vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).