O nome é um direito de todo ser humano e está ligado ao seu mais íntimo poder de existência. No Brasil, a Lei Federal nº 6.015/73 ensina que o nome é indisponível, ou seja, você não pode dispor, doar, vender ou ceder, imprescritível, isto é, não existe uma validade para se ter um nome, e imutável, então, não se pode mudar.
O nome, de modo geral, é um elemento indispensável ao próprio conhecimento, já que é em torno dele que a mente agrupa uma série de atributos pertinentes aos diversos indivíduos, permitindo a rápida caracterização e o relacionamento com os demais.
No entanto, a imutabilidade sempre foi relativa, pois a Lei permitia, em determinados casos, a troca do nome por meio de ação judicial, na qual, em princípio, seria verificado se existia má fé ou se havia indícios de burlar a Lei.
Mas, com a aprovação da Lei Federal nº 14.382/2022, a relatividade da imutabilidade caiu por terra, dando lugar a plena possibilidade de alteração do nome sem qualquer motivo ou prova. Porém, uma vez que o nome é inerente à personalidade dada à pessoa e tem íntima ligação com a dignidade humana, a nova previsão se coaduna com a constitucionalização do direito.
De acordo com a nova redação do Art. 56, §1º, da Lei nº 6.015/73, alterado pela Lei nº 14.382/22, a pessoa que tenha atingido a maioridade civil brasileira, ou seja, 18 anos, pode alterar o prenome de forma imotivada e administrativa somente uma vez.
Além disso, conforme o novo texto do Art. 57 da Lei 6.015/73, o sobrenome, ou patronímico, ainda tem a função de identificar a que núcleo familiar aquela pessoa pertence, porém, há agora várias formas de inserção e exclusão de sobrenomes.
Se antes a pessoa casada tinha oportunidade de adquirir o sobrenome do cônjuge no momento do casamento, agora ela poderá fazê-lo a qualquer momento – e também retirá-lo, caso tenha se arrependido da alteração, mesmo durante a constância do casamento. Anteriormente, a exclusão e a inserção dos sobrenomes eram possíveis, porém dependiam de decisão judicial e, em muitos casos, de prova.
Vale ressaltar que, de acordo com o Provimento nº 73 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), transgêneros já podiam alterar seu prenome pela via extrajudicial para outro que se adequassem à sua designação. Agora, a possibilidade se abre para todos da sociedade.
Diante da alteração da legislação, quais os impactos na hora de buscar bens de um devedor? Voltando às alterações dadas pela nova Lei aprovada, no parágrafo 2º do Artigo 56 é possível ler que: “A averbação de alteração de prenome conterá, obrigatoriamente, o prenome anterior, os números de documento de identidade, de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, de passaporte e de título de eleitor do registrado, dados esses que deverão constar expressamente de todas as certidões solicitadas”.
Por mais que, atualmente, os indivíduos também possam ser identificados por CPF e número do passaporte, além de diversos outros cadastros, principalmente no âmbito da vida negocial, ainda não se tem segurança jurídica suficiente, ainda mais quando se trata de subterfúgios do devedor que frauda seus credores para fugir do pagamento da dívida.
Um ponto comum aos devedores contumazes é que estes, vulgarmente, usam terceiros, familiares ou não, para realizar movimentações bancárias, operações financeiras e adquirir bens, entre outros procedimentos.
É nessa hora, como forma de dificultar a localização e a identificação do paradeiro dos familiares e pessoas vinculadas aos devedores, que a nova alteração dada à Lei dos Registros Públicos acerta em cheio. Por mais que as novidades vão ao encontro da busca pela desburocratização e da desjudicialização, é certo que o instituto tem grande potencial para ser utilizado de maneira bastante inadequada.
Em que pese o Poder Judiciário, hoje, possuir ferramentas modernas para pesquisa de bens, direitos e informações de uma determinada pessoa, e mesmo que esta busca esteja vinculada ao CPF do devedor, ainda continua sendo dever do credor, por força da lei, provar a existência de laranjas.
E não é só esse o problema. Outro fato que poderá se tornar habitual é a fuga das citações em processos de execução. Por exemplo, o Oficial de Justiça chega à residência do “Fulano”, mas este já procedeu com a troca do seu nome para “Ciclano”. Nesta condição, o devedor, que está fugindo do dever legal de pagar o valor cobrado em juízo, nega ter se chamado “Fulano” no passado, ainda por cima, toma conhecimento de que está sendo procurado pela justiça naquele seu endereço, esquiva-se da citação e ainda pode mudar de endereço.
Por óbvio que a nova Lei, no tocante à alteração de nome, necessita de regulamentação. Por isso, espera-se que o próprio CNJ, ou mesmo as corregedorias dos Tribunais de Justiça Estaduais, o façam por meio de provimentos, o que será bem-vindo, pois é interessante que haja padronização na exigência de documentos e certidões para o exercício do novo direito. Também é necessária que a informação seja amplamente divulgada ao alcance a todos como forma de dar transparência e legalidade ao ato.
*Paulo Rodrigo Barreto é consultor sênior especializado em Investigação de Ativos e Levantamento Patrimonial com foco em OSSINT (Open Source Strategic Intelligence) na área de Inteligência Corporativa da Aliant, plataforma de soluções digitais para Governança, Riscos, Compliance, Cibersegurança, Privacidade e ESG.