Processo é processo

O advogado que entenda de processo além da atuação judicial propriamente dita será sempre o profissional capaz de pensar estrategicamente como o anseio de seu cliente  pode ser ou não atendido diante do direito material existente e como essa conduta poderá se desenrolar ao longo do tempo. O entendimento é da colega Nycolle Soares, que escreve sobre o tema na coluna desta quinta-feira (01). Ela é advogada, gestora Jurídica e presidente do Instituto Goiano de Direito Digital.

Nycolle Soares

Leia a íntegra do texto:

Não é segredo para ninguém que nos últimos anos a questão do posicionamento profissional chegou para os advogados de maneira contundente. Falar sobre a escolha por uma especialização e por consequência um “nicho” de mercado, para muitos se tornou o pote de ouro no final do arco-íris.

Na expectativa de que ao encontrar o posicionamento correto de maneira rápida, todos os demais desafios da carreira se dissiparão, muitos profissionais passaram a tratar esse ponto como o centro de suas reflexões.

Em outra ponta, ao atuarmos diretamente na operação de um escritório de advocacia, é fácil perceber como a ausência de experiências em múltiplas frentes, faz com que os advogados tenham dificuldade de pensar estrategicamente questões processuais e se prendam cada vez mais ao direito material como única tábua de salvação.

Antes de avançar, é preciso ainda acrescentar um ponto. Na ânsia de atuar em áreas que não envolvam o trabalho contencioso tradicional como Compliance e projetos de adequação a LGPD, muitos profissionais optam por extirpar de seus planos qualquer trabalho processual.

Unindo esses dois movimentos, encontrarmos uma parcela de advogados que ao se depararem com qualquer tema que não esteja absolutamente vinculado as suas áreas de atuação, não conseguem encontrar se quer um ponto de partida para reflexão, ainda que para tal fosse necessário apenas analisar a etimologia das palavras que compõem um conceito.

A máxima de que “processo é processo” acaba sendo ignorada e substituída pelo “minha área, minhas regras”, justamente em um momento em que o saber jurídico se torna cada vez mais multidisciplinar e interligado por temáticas presentes em todas as frentes, como o Direito Digital.

A falta de intimidade com o processo traz dificuldades ainda que na atuação extrajudicial, podem representar uma enorme lacuna para qualquer advogado. Ao pensarmos nos termos de um contrato, por exemplo, caso não haja clareza quanto aos riscos que precisam sem mitigados com aquele instrumento, possivelmente o profissional não conseguirá delimitar o cenário probatório que precisa construir se houver uma judicialização.

Elementos processuais não são apenas definições que devem ser aplicadas no processo judicial, mas são justamente a antecipação das ferramentas que poderão ser utilizadas quando as travas anteriores não tenham funcionado ou não tenham sido utilizadas.

A superespecialização em uma única área pode sim trazer uma vantagem competitiva imediata e oportunizar uma facilidade quanto ao posicionamento de mercado, mas como tudo na vida, existem os ônus.

A sociedade fora impactada pela pandemia e a aceleração de várias mudanças é nítida, ainda assim os processos judiciais estão muito longe de acabar e por isso desconsiderar as oportunidades que existem diante desse cenário é fechar os olhos para uma necessidade real.

Uma outra análise possível, é justamente o fato de que os processos continuam existindo por não conseguirmos evitá-los ou torná-los mais eficientes e aí voltamos ao início. Sem entender de processo a atuação judicial do advogado acaba sendo prejudicada, já que em muitos casos, independentemente do direito material pleiteado, questões processuais resolveriam o litígio.

O advogado que entenda de processo além da atuação judicial propriamente dita será sempre o profissional capaz de pensar estrategicamente como o anseio de seu cliente  pode ser ou não atendido diante do direito material existente e como essa conduta poderá se desenrolar ao longo do tempo.

Em outra frente, esse mesmo profissional, poderá se desenvolver em posições vinculadas a gestão e negócios da banca, já que com a compreensão clara do todo, desenvolver parâmetros internos e atender aos clientes de maneira estratégica, deixa de ser apenas uma questão relacionada a especialização e se torna uma habilidade rara e eficiente diante da complexidade das operações da atualidade.